Friday, April 28, 2006

Miséria, miséria em qualquer canto


Detesto pobreza. Em um dos restaurantes mais próximos do meu local de trabalho, tive meu pedido de um suco de laranja recusado sob a alegação de que a laranja está cara. Como não queria refrigerante, almocei sem suco – e praguejando contra a pobreza. Por que será que o dono do restaurante simplesmente não coloca este custo no preço do suco? me perguntava indignada. Então me dei conta de que talvez era porque sua clientela era pobre a ponto de não poder arcar com este custo extra. Mais: me dei conta de que eu sou habitué do restaurante e que, afinal, isso queria dizer alguma coisa. Tive, enfim, naquele dia, um almoço muito indigesto.
Isso ainda me fez lembrar de um dia em que, no restaurante do prédio da minha faculdade, perguntei se não havia outra marca de adoçante. Não tinha. Recomendei que comprasse da marca X. A moça respondeu com um largo sorriso: sua patroa só comprava “do mais barato”. Ela usou estas palavras: “do mais barato”. Sinto arrepios só de lembrar.
Os dois fatos têm entre si uns cinco anos de distância. Posso refletir sobre eles de suas maneiras diferentes. Uma, a coisa não está fácil para ninguém. Isso é pensamento de pobre. Outra, tenho estado nos lugares errados e preciso mudar. Isso é pensamento de quem quer crescer. Prefiro a segunda alternativa.
Faça uma experiência: aborde o primeiro que aparecer na sua frente e esbraveje: “detesto pobreza!”. Você tem 99% de chance de ser rotulado como preconceituoso. Pois é! O que tem a ver? Sei lá! O fato é que, pelo menos no Brasil, não gostar de pobreza é visto como sinônimo de não gostar de pobre! As pessoas pensam que se você odeia andar de ônibus, invariavelmente odiará também quem anda. Qual é a relação? Pergunte a elas!
A única relação que eu consigo fazer é a desse tipo de pensamento com a pobreza do Brasil. Se Adam Smith estava mesmo certo – e eu, na minha modestíssima opinião, penso que estava –, a nação é aquilo que o seu povo quer. Diz ele que “se cada indivíduo buscar seu próprio interesse, irá promover o bem comum”. (Discordo em parte do modo como este período está construído. Se o interesse de cada indivíduo for a pobreza, o povo irá promover o mal comum). Enfim, o que importa é que eu não penso que o brasileiro deseja o mal. Mas também não deseja o bem. Como escrevi acima, para o brasileiro, irritar-se com pobreza é coisa feia, de que se deve se envergonhar. Fazer cara feia ao comer bife com nervo ou sobremesa com gosto de maisena é frescura. Bom mesmo é gente “simples”, que gosta de tudo, se contenta com qualquer coisa.
Pense nas telenovelas brasileiras, a nossa escola de educação moral e cívica. Só quem deseja com ardor tornar-se rico são os vilões – que além de ambiciosos também são mentirosos, dissimulados, traidores, etc. Querer melhorar de vida é sempre, portanto, associado a um conjunto de características que define um sujeito como mau-caráter. Os mocinhos ficam ricos, sim. Mas só no final da novela e porque ganharam uma herança ou coisa do gênero. Eles nunca desejaram o dinheiro, tampouco trabalharam duro para tê-lo. A fortuna foi apenas um prêmio por eles serem tão bonzinhos. Mas isso é novela.
Outra coisa que me irrita são as explicações sociológicas para a pobreza, em que os pobres são sempre vistos como vítimas. O capitalismo é cruel? É, sem dúvida. Mas o papel de vítima não é um papel que não possa ser recusado. A questão é que – de novo a cultura brasileira! – tem-se a idéia de que deixar de ser vítima é invariavelmente virar a casaca, tornar-se algoz. Há culpa em dizer que se tem hora marcada em médico particular. Honrado mesmo é o sujeito que fica horas na fila do SUS. Tem pobre que tem síndrome de estocolmo. É esse pobre e essa pobreza que eu detesto.