Saturday, October 14, 2006

Elogio do singelo



O cinema tem algumas cenas antológicas. A do menino sobrevoando de bicicleta tendo como fundo a lua em ET é um exemplo. E acho que merece mesmo ter este lugar nesta categoria. Agora a cena pode ser vista como piegas, mas convenhamos: é bonita.

Há, no entanto, cenas que, talvez por serem muito singelas, por não usarem recurso algum de efeito especial, edição ousada, ou o que quer que seja, ficam de fora dessa galeria de cenas antológicas - pelo menos da oficial, ou da do imaginário coletivo. Para mim, porém, algumas deixam marcas indeléveis.

No filme Quase famosos, de Cameron Crowe, há uma dessas cenas muito simples e que, apesar disso - ou, no meu caso, que gosto da simplicidade, por isso mesmo - me comoveu bastante. É a cena - na verdade, seqüência - em que o protagonista - um menino de 15 anos que acompanha a turnê de uma banda de rock para escrever um artigo sobre ela para a revista Rolling Stone - declara seu amor por Penny Lane e, em seguida, percebe o quanto este sentimento é forte. Penny está completamente embriagada e sob o efeito de altas doses de um remédio, devido ao fato de não se conformar por não ser amada por um dos membros da banda. "Why doesn´t he love me?" (Por que ele não me ama?), pergunta ela justamente ao garoto, pouco antes de perder a consciência. Este então diz-lhe que a ama e em seguida chama um médico para socorrê-la. Enquanto o doutor faz lavagem estomacal na moça no banheiro, do quarto, o garoto a observa, os olhos fixos em Penny, como se nada mais existisse no mundo. Perdidamente apaixonado.

Do que mais gostei na cena foi o seu realismo. O menino não perdeu seu olhar em Penny num momento em que ela estava linda - como de fato a atriz que a interpretou, Kate Hudson, é - e soberana. Penny estava em condições degradantes, bêbada, drogada, nas mãos de um médico e de sua auxiliar, vomitando na banheira as subtâncias que ingerira para se matar por causa de um amor não correspondido. Condição miserável, portanto, humana. Prova de que o rapaz não estava apaixonado apenas pela sua imagem de bela e popular entre as groupies. Amava, sim, sua pessoa, sua personalidade, o que incluía algumas atitudes desmedidas.

Não poderia deixar de apontar, é claro, outro detalhe da cena que contribuiu muito para que eu fosse cativada por ela: ela ocorre ao som de My Cherie Amour, de Stevie Wonder, cuja letra tem tudo a ver com a situação do menino. Linda, linda, linda!

Para quem escutar a música na íntegra: