Saturday, August 23, 2008

Paixão: s.f. do grego pathos, sofrimento





Existe no Orkut uma comunidade chamada Caetano, o que é Vaca profana?, cujo objetivo é discutir as letras mais esdrúxulas da MPB. Vaca profana ganhou o privilégio de aparecer no nome da comunidade por ser mesmo a mais enigmática, mas creio que a segunda canção mais comentada pelos participantes seja Açaí, de Djavan. Para mim, entretanto, não só Açaí é muito clara, como eu concordo plenamente com ela.

Em determinada altura da música, o sujeito lista uma série de características da paixão: puro afã, místico clã de sereia, castelo de areia, ira de tubarão, ilusão, zum de besouro... Concordo com tudo. Afã é desejo, sereias são seres mitológicos, castelo de areia é efêmero, a ira do tubarão é violenta, o zum do besouro é perturbador. E paixão é isso tudo mesmo: uma perturbadora reunião de elementos fantasiosos, frutos de nosso desejo, que dura até o momento em que percebemos o quão patéticos a paixão nos deixou. Em tempo: “paixão” e “patéticos” têm a mesma raiz etimológica, pathos, que significa doença ou sofrimento. Nada mais correto.

Em janeiro deste ano, comentei com um grupo de amigos que não tinha tido boas experiências com a paixão, e que não queria voltar a me apaixonar novamente. Mordi minha língua, me apaixonei, e, curada da enfermidade (ou não, não sei), volto a afirmar: não quero me apaixonar novamente.

Nunca consegui corresponder os homens que se apaixonaram por mim (e olha que eu tentei!) – e nunca consegui fazer com que os homens por quem fui apaixonada me correspondessem (e olha que eu tentei mais ainda!). E entendo o porquê – e por isso lhes dou razão. Pessoas apaixonadas não são atraentes. E digo isso porque, como já disse, já estive na condição de objeto da paixão e não consegui me sentir atraída – a não ser fisicamente, mas isso não conta – por tais homens. Quando estamos apaixonados, nos submetemos a situações quase humilhantes, aceitamos certas coisas em que o natural era que parássemos tudo e disséssemos “Péra lá um pouquinho, o que você pensa que eu sou?” Mas não dizemos. Não é o caso de sufocar a revolta. É pior do que isso: é o caso de não se revoltar, porque quando estamos apaixonados, achamos que tudo o que a pessoa faz é lindo, ou, no mínimo, natural. E ao nos comportarmos assim, estamos afastando a pessoa ao invés de atraí-la.

Amy Winehouse diz em uma música lindíssima que o amor é um jogo para perder. Discordo. O amor sequer é um jogo. A paixão, sim, é um jogo para perder, um jogo em que aquele que se sabe apaixonante adota, ainda que sem percebê-lo, uma postura de quem já está com o jogo ganho.

Não me venham falar que a graça está em tentar manter a pessoa apaixonada: em geral, assim como não foi preciso fazer nada para que a pessoa se apaixonasse, não é preciso fazer nada para que a pessoa mantenha tal estado. Basta você manter a já mencionada postura – o que não é nem um pouco difícil. Conheço casos que já duram anos – sem mentira! – em que o cara – ou a mulher – faz e acontece, e a mulher – ou o cara – continua de quatro por ele.

Isso me remete a uma conversa que tive com um aluno. Perguntou-me ele, certo dia, qual é a minha relação com a língua inglesa. Vendo que eu não entendia a pergunta, ele explicou que, contrariando as expectativas que se tem em relação a músicos, em certos momentos, ele não suporta ouvir música. Então o compreendi perfeitamente e respondi que tenho uma ótima relação com a língua inglesa porque nunca fui apaixonada pelo idioma. Tive, sim, uma paixão avassaladora pela literatura, que nasceu na infância, tão logo fui alfabetizada, e que me levou a ler vorazmente uma infinidade de livros e a fazer quatro anos de faculdade de Letras e dois de mestrado em Teoria da Literatura, e a lecionar por mais dois anos e meio a disciplina de Literatura Brasileira no Ensino Médio, até que este casamento se esgotasse e eu pedisse divórcio. Cansei de ler por obrigação e de obrigar meus alunos adolescentes a lerem. Para mim, leitura é como sexo: é ótimo, mas quem quer fazer à força? De onde eu concluí que não posso trabalhar com aquilo pelo que sou apaixonada, apenas com aquilo de que eu gosto.

E tudo isso me faz lembrar de um outro aluno que, nos seus tenros 17 anos, preencheu o campo "paixões" do seu perfil do Orkut com a singela frase "Fuja de todas elas!"

Sabedoria, de fato, não tem idade.