Wednesday, January 30, 2008

Nothing is gonna change my world


Jude observa seu campo particular de morangos eternos: "é preciso cultivar nosso jardim"


A inspiração vem de todos os lados...

Fui ao cinema assistir ao filme Across the universe pela segunda vez, e mais uma vez, saí da sala do cinema levitando, apesar de a cabeça estar pesada de idéias.

Como se passa na época da gênese da contracultura, há uma personagem, a Lucy, que é superidealista e participa de um grupo de pacifistas contrário ao envio de jovens americanos à Guerra do Vietnã. Ela se envolve tanto com sua luta, que acaba deixando em segundo plano o seu namorado, o Jude, que, é claro, fica puto com isso.

As duas personagens são faces de uma mesma moeda. Jude também vive neste mundo, portanto, de um jeito ou de outro, é afetado pelos rumos que ele toma. Lucy tem mais consciência disso, e tenta interferir nesta trajetória do mundo.

Só que não adianta. No final das contas, os pacifistas também constroem bombas – assim como o próprio John Lennon teve ligações escusas com o IRA (sinal de que ele não era tão “give peace a chance” assim, ou era, só que para ele, a palavra “paz” tem um sentido diferente do sentido que os outros dão, assim como “democracia” tem sentidos diferentes para a esquerda e para a direita, e “justiça”, para palestinos e israelenses...). Os pacifistas também são humanos, e como todos os humanos, fazem besteira, muitas vezes – acho que quase sempre – as mesmas dos seus inimigos, o que me faz pensar se não estamos todos brigando pela mesma coisa em conversa de surdos. É esta a dúvida cruel de Hamlet quando ele se pergunta: “Ser ou não ser, eis a questão!” Hamlet tem duas escolhas: aceitar covardemente que seu tio tenha assassinado seu pai para tomar o trono, ou honradamente vingar o pai, assassinando o tio e tomando o tr... ops, peraí: mas, neste caso, não estaria ele cometendo a mesma infâmia que o tio? A vida nos coloca em cada encruzilhada... (Parêntese: você já leu Hamlet? Pois então leia, leia já, pare agora de ler este blog – outra hora você volta e termina de ler – e vá atrás de uma edição de Hamlet, não ouse morrer sem antes ler Hamlet!!! E leia com atenção, porque cada frase, cada singela linha, é como aquelas caixas de presente que tem outra caixa por dentro, que tem outra e mais outra, uma loucura! – e uma lucidez impressionante!)

Lucy condena Jude, que vive só em seu mundo, fazendo seus rabiscos (no filme, Jude é artista plástico), enquanto o mundo está se destruindo. Pobre Lucy, não percebe que a alienada é ela. Ela é que vive num mundo de sonhos. Ela é quem vive no céu. E rodeada de diamantes.

Penso como a letra da música Revolution, que Jude canta para Lucy:

You say you want a revolution
Well you know
We all want to change the world

You tell me that it's evolution
Well you know
We all want to change the world

But when you talk about destruction
Don't you know you can count me out

Don't you know it's gonna be

Alright
Alright
Alright

You say you got a real solution
Well you know
We'd all love to see the plan

You ask me for a contribution
Well you know
We're all doing what we can

But if you want money for people with minds that hate
All I can tell you is brother you have to wait

Don't you know it's gonna be

Alright
Alright
Alright

You say you'll change the constitution
Well you know
We'd all love to change your head

You tell me it's the institution
Well you know
You'd better free your mind instead

But if you go carrying pictures of Chairman Mao
You ain't going to make it with anyone anyhow

Don't you know it's gonna be
Alright
Alright
Alright

oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, alright,
alright, alright, alright, alright, alright, alright,
alright, alright, alright, alright, alright...

Acho esta letra fantástica! É claro que todos queremos mudar o mundo, mas como? Ah, você tem a solução? Qual? Existem 6 bilhões de pessoas no planeta, acha mesmo que todas as outras 5.999.999.999 vão concordar? Acredita que consegue convencê-las todas? Creio que não. A não ser que use a força para isso, mas aí... Hamlet.

Não quero dizer com isso que estou me lixando para o mundo. A questão é que querer transformá-lo todo é uma luta inglória. Mas há uma medida possível: nunca esqueço de algo que Renato Russo disse naquele álbum ao vivo Como é que se diz eu te amo, “Consertar a gente já ajuda pra caramba!” A maioria dos militantes acusa os “alienados” de se preocupar de menos com o mundo e demais com seus próprios umbigos. Pois é justamente isso que eu recomendo aos militantes: olhem um pouco mais para seus próprios umbigos! Vocês descobrirão coisas incríveis, muitas tendo muito o que consertar!

Jude diz, a certa altura, que seu problema é não ter causa nenhuma. Ele está enganado. Ele tem. Mesmo sem saber, está seguindo o conselho de Voltaire de cultivar seu próprio jardim. Assim como eu.

Mudar eu mesma é a minha causa. Esta é a minha maior utopia. E sei que utopia é um lugar que não existe, mas o que imorta é o tanto que eu caminho em direção a ela, como diz Eduardo Galeano:

Eu caminho dez passos, ela se afasta dez passos;
Eu caminho vinte passos, ela se afasta vinte passos;
Eu caminho trinta passos, ela se afasta trinta passos.
Para isso serve a utopia:

Para caminhar.

; )

Tuesday, January 29, 2008

Sobre dias de sol e ameaças de chuva...


Eu curtindo um dia de sol sem me preocupar com os dias vindouros de nuvens carregadas


Lembram da Soninha Francine, a VJ da MTV que foi demitida da TVE por admitir no ar que fumava maconha? Pois é, ela escreve uma coluna para a revista Vida Simples, que é, por sinal, uma revista muito interessante. Um dia, ela escreveu sobre curtir os dias de sol sem se preocupar com os dias nublados que estavam por vir. Era uma metáfora, óbvio. Na época, Soninha enfrentava o tratamento da filha de 7 anos, que sofria de leucemia. Evidentemente ela estava se referindo ao fato de aproveitar os dias com sua pimpolha sem se preocupar se no dia seguinte a menina estaria internada num hospital ou... bem, não vamos falar no pior.

Terminando de ler a coluna, olhei para a foto da Soninha como se olha para um totem! Francamente, não sei se eu teria forças para exibir aquele sorriso e a serenidade daquelas palavras se tivesse uma garotinha de 7 anos com leucemia!

O caso da Soninha era grave. Mas o de muitas outras pessoas não é. Nem por isso elas deixam de se preocupar com a tempestade em dias esplendorosamente ensolarados!

Um exemplo: um casal em fase de aproximação. Eu sei que as dores do passado nos deixam calejados, mas para que se preocupar com a certeza – que pode não se confirmar – de que toda a magia desta fase inicial vai se acabar? Aproveite-se a magia enquanto ela existe e vê-se o que se pode fazer quando ela acabar – se é que ela vai acabar, porque ela pode simplesmente passar por uma transformação, o que não é sinônimo de fim.

Isso me lembra a última cena do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Quando Joel demonstra querer ficar com a Clementine, ela começa a fazer uma lista de seus defeitos. Joel apenas olha para ela com uma expressão que parece dizer “Ok, eu te quero mesmo assim!”

Eu entendo a Clementine. Alguns relacionamentos nos deixam mesmo numa situação muito delicada: ou vivemos para corresponder às expectativas do parceiro, ou o decepcionamos – e, que desforo!, ainda temos de dar satisfações por não sermos aquilo que ele idealizou de nós!

Mas eu também entendo o Joel. Qualquer pessoa minimamente saudável sabe – e se conforma com isso – que todos têm defeitos. E às vezes, surpresa!, é dos defeitos mesmo que a gente gosta! Ou vocês acham que Joel não adora o jeito doidinho da Clementine?

Um dia, um dos melhores professores que eu tive na minha vida, o professor Jaime Ginzburg, de Literatura Brasileira, na faculdade de Letras da UFSM, disse que o amor é uma aceitação mútua de precariedades: “Você aceita a minha precariedade e eu aceito a sua”. Eu, que tinha apenas 19 ou 20 anos, sempre tinha visto o amor como uma admiração mútua de qualidades. E não mudei de opinião, apenas acrescentei a ela a perspectiva do professor.

Mas o fato é que prefiro admirar as qualidades sem ficar me preocupando com a precariedade. Isso não é viver de um modo ingênuo. Não ignoro os defeitos. Mas só lhes dou atenção quando eles pedem!

Ainda sobre a felicidade...

Escrevendo ontem sobre o hábito de algumas pessoas de postergarem a felicidade, não pude deixar de lembrar de dois poemas. O primeiro é o excelente Adiamento, de Álvaro de Campos, o heterônimo mais melancólico de Fernando Pessoa:

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...

Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

O sujeito do poema parece estar convicto de que realmente tem condições de conquistar o mundo – e não duvido de que as tenha mesmo –, mas deixa para fazê-lo no futuro porque... bem, porque, como já escrevi no post anterior, conquistar não tem graça. Almejar a conquista é que tem. Ou talvez o sujeito seja apenas preguiçoso. Deixa para amanhã porque... acredita que o futuro lhe pertence. Confia na vida e não conta com a morte. Eis o risco de deixar as coisas para amanhã. Nem sempre o porvir de fato vem.

Julgar que “depois de amanhã é que está bem o espetáculo” é raciocínio de quem vive de imagem, de quem quer agradar aos outros, de quem pensa que precisa provar algo para alguém. Por que não fazer o espetáculo hoje? Porque ainda não está bem ensaiado? Porque ainda faltam alguns detalhes? E daí? Quem se importa? Você? Tem certeza que é mesmo à sua auto-exigência que quer atender?

Aliás, para que (ou para quem) fazer espetáculo, hein? Tive oportunidade de participar de um tempos atrás e posso assegurar que os preparativos & bastidores foram muito mais interessantes do que o espetáculo em si. E é melhor que tenha sido assim – e seria bom que fosse assim sempre, tanto no sentido real quanto (e principalmente) no metafórico –, porque em tudo na vida o processo é mais longo do que o fim. No caso do espetáculo real, só fiquei 3 minutos e 54 segundos no palco, veja só!...


Outro poema que me veio à mente é o Eterna mágoa, de Augusto dos Anjos:

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo Inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Em suma, se você acha que vai ser feliz quando atingir este ou aquele objetivo, esqueça! A pessoa que é infeliz não o é porque lhe falta algo, e nem mudará sua condição quando suprir esta carência. A felicidade – assim como a infelicidade – jamais virá de uma circunstância externa. O problema – e, eureka!, a solução – estão dentro da gente, e em nenhum outro lugar! (parece papo piegas de livro de auto-ajuda, mas a culpa é destes livros que tornam diversas verdades piegas!)

Não poderia deixar de terminar esta seção sem aqueles versos da música O que vem a ser felicidade?, de Orlando Morais (sim, mais conhecido como o-marido-da-glória-pires, mas que tem algumas composições muito legais, sim, senhor!):

Este sentimento poderoso
é um estado, é capital, é um país,
e o que há de mais maravilhoso é descobrir
que o tempo inteiro estava a um palmo do nariz...

;)

Monday, January 28, 2008

Quem não tem presente se conforma com o futuro

Quando tinha 13 anos, B. foi com a mãe retirar as fotos do Natal – na época, foto era algo que se tirava em máquinas analógicas e que se esperava algum tempo para que fossem reveladas – e ficou pasma como que viu: ela descobriu que era gorda. Engraçado, ela não se via exatamente daquela maneira no espelho, mas era fato, as fotos não mentiam: ela estava gorda. E a sensação de se ver assim era muito desagradável. B., então, decidiu que não tiraria mais fotos até emagrecer. Quem sabe até o seu aniversário ela estaria mais magra? Ou então até o próximo Natal? A decisão estava tomada: não tiraria mais fotos até ficar magra. Aliás, ela também não iria a festinha nenhuma até emagrecer. Não flertaria com nenhum menino. Não seria feliz até emagrecer. Porque felicidade não ficava bem num manequim 44. A felicidade só era compatível com a sua imagem idealizada de magra. Para tudo havia um padrão, e com a felicidade não seria diferente.

E B. seguiu em frente em busca da melhor forma para a sua felicidade. Fez a dieta da lua, da proteína, dos pontos. Fez sessões exaustivas de ginástica, passou os mais variados produtos na pele. Perdeu quilos em poucas semanas, e depois ganhou o dobro deles em uma.

B. tem agora 25 anos. E não tem fotos da adolescência. Nem da fase universitária. B. nunca emagreceu. E nunca foi tão gorda assim.

Nem feliz. B. caiu numa cilada que armou para si mesma: a de impor condições para a própria felicidade.

Mude-se a inicial por qualquer outra letra do alfabeto, e também o objetivo. B. é só um exemplo. Existem milhões de Xs, Ys e Zs que pensam só poder ser felizes quando diminuírem as orelhas de abano, forem ricos ou morarem em outra cidade. E muitas vezes, ao contrário da minha infeliz B. fictícia, elas conseguem atingir seus objetivos. Mas que engraçado, mesmo assim, elas não conseguem sentir aquilo que elas esperavam sentir. Por que será?

Ora, porque quem adia a felicidade é feliz de um modo torto; é feliz em adiar a felicidade. Para estas pessoas, a verdadeira felicidade é aguardá-la. Quando fez a cirurgia nas orelhas, X começou a implicar com o nariz, é claro, porque do contrário, ele estaria feliz, e ele não sabe muito bem lidar com isso. Tendo atingido a felicidade, o que ele faria com ela? Ele não está acostumado com isso. X não sabe ser feliz. X só sabe esperar pela felicidade. Esta é a sua especialidade: aguardar o futuro, ignorando o presente.

O problema é que quando o futuro chega, não há passado, não há experiência. E quando não se tem passado, é como estar numa estrada reta, sem placas de sinalização, nem árvores, nem nada: nenhuma referência. Tudo é igual. E nesta situação nos sentimos perdidos. Não sabemos em qual trevo entrar. Não sabemos aproveitar a felicidade quando ela chega. Nós a tratamos como aquele hóspede que julgamos ser muito exigente, ficamos sem jeito de recebê-la, só porque não temos os melhores lençóis, nem o melhor vinho para oferecer. Não, não, não. Não temos condições de hospedá-la da melhor forma, e se não for da melhor forma, não pode ser de forma nenhuma. Volte outra hora, volte quando estivermos melhor preparados. E ela, que na sua simplicidade, só queria uma porta aberta, vai embora, em busca de melhores anfitriões, que são simplesmente os que demonstram prazer em receber.

Thursday, January 24, 2008

Complain, monkeys, complain!!!

“Tenho náusea física da humanidade, que é, aliás, a única que há”. Assim disse Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, no seu Livro do Desassossego. Afortunadamente, não tenho náusea física da humanidade. Só de uma parcela dela.

E a parcela mais nauseabunda que há é a daquelas pessoas descrentes da humanidade – da qual, parece, Soares fazia parte – de Pessoa não me arrisco a falar, porque ele era muitos. Dia desses eu assisti a um vídeo no YouTube chamado Dance, monkeys, dance! O vídeo dedica-se a debochar do ser humano, focando a sua ridícula pretensão de acreditar ser superior aos demais animais. Tudo o que eu penso quando vejo tal vídeo é “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que dizem”. E não estou falando dos humanos. Nem dos animais. Refiro-me aos humanos que pensam assim.

Chama a atenção o trecho do vídeo que afirma, cheio de sarcasmo, que o ser humano é o único animal que acha que deveria ser feliz. Os outros animais se contentam em simplesmente ser. O que o autor do vídeo sugere? Que nós deveríamos também nos contentar em “simplesmente ser”? Então deveríamos viver apenas para dormir, comer, transar, parir e fugir de predadores? Deveríamos viver como animais?! Ah, esqueci: é que, para o autor, nós somos animais como quaisquer outros. Aham.

Imagino que quem pensa assim nunca se emocionou com uma música. Nem com um filme. Nunca leu um livro e ficou pasmo com a habilidade do autor de descrever exatamente o que ele sentiu naquela mesma situação. Aliás, nunca se consolou por saber que não é um solitário na sua dor – ou na sua alegria. Nunca se surpreendeu ao descobrir que também outras pessoas já sentiram aquilo.

Quem pensa assim nunca precisou de anestesia. Nunca teve pressa e precisou de um carro ou de um avião. Quem pensa assim não acha ruim comer carne crua. E não se incomoda de dormir ao relento. Quem pensa assim nunca pôs a cabeça em um travesseiro de penas, nem mergulhou em uma piscina em dia de calor escaldante. Também nunca tomou uma cerveja gelada com amigos num dia quente. Nem um café quentinho numa tarde hostil de inverno. Quem pensa assim acha ótimo tomar banho gelado no inverno. E não tem fotografias da sua infância. Quem pensa assim escreve tudo à mão e não vê mal nenhum em gastar o triplo de tempo para isso.

Quem pensa assim nunca ouviu “eu te amo”, nem “eu te odeio”. Nunca ouviu “como é bom ser tua irmã!” ou “por que não foste lá?, fizeste falta!”. Nunca ouviu, nem disse “adorei te conhecer”. Nunca teve o prazer de dar um presente. Nunca ajudou um cego a atravessar a rua ou pegou um bebê no colo. Nunca curtiu saudade, muito menos teve a alegria de matá-la.

O narrador diz que os homens negam ser macacos. Que eles querem ser outra coisa que não macacos, mas que não são. Eu digo que são, sim!

Também não sou especista. Respeito o animais e acredito que todos devem ter seu espaço e dignidade respeitados. Sou contra o uso de animais em circos. Não tenho casaco de pele, nem como foie gras. Eu acho o Knut um fofo. Apóio a luta pela preservação dos ursos pandas. Também quero que salvem as baleias. Mas os animais que pensam como o autor desse vídeo, a extinção desses não me comove.

Wednesday, January 16, 2008

Tudo pode ser seu!...


Fale em cantoras brasileiras, e todos lembrarão dos mesmos nomes: Elis, Gal, Bethânia, Marisa Monte... Mais recentemente uniram-se ao grupo Ana Carolina, Ivete Sangalo. Quase ninguém lembra da Marina. Sim, a Marina Lima. E a Marina deveria ser lembrada com mais carinho e mais respeito. É dela a versão mais sensual que existe de Garota de Ipanema. E de Only You também. Se um homem fizesse uma serenata para mim cantando Only You como os The Platters, eu ia achar divertido. Se ele cantasse como a Marina canta, eu me apaixonaria. Sério, eu casaria com o cara! E a parceria com o Caetano Veloso em Nosso estranho amor? Lindíssima. Isso sem falar na versão que ela fez de Mesmo que seja eu, mais viril do que a do próprio Erasmo Carlos (aliás, que letra, Erasmo, que letra!!!).

E como se não bastasse a forma que a Marina dá às músicas, ainda tem o conteúdo das suas próprias composições, aquelas que ela fez com seu irmão, o filósofo Antônio Cícero. Não vou falar do “você me abre seus braços/e a gente faz um país” porque este, embora bonito, já está caindo na pieguice e no descrédito na atual conjuntura do Brasil. Mas tem “a única morada de um homem está no extraordinário”, da canção Próxima parada. Se isso for mesmo verdade, o que estamos fazendo aqui, no tão terrivelmente ordinário? Vendo a vida passar?

Isso acaba de me lembrar uma aula de recuperação que dei não faz muito tempo. Uma aluna que fez bagunça o ano inteiro resolveu prestar atenção na aula de recuperação. Me ouviu, fez perguntas, resolveu todos os exercícios. No final, saiu da sala de aula dizendo “Gostei desta aula”. Eu respondi que ela podia ter gostado das aulas do ano inteiro, bastava ela ter se envolvido como ela se envolveu naquela aula derradeira. Qualquer coisa é chata se a gente não mergulha nela. Coisa bem ruim é pintar uma parede ou fazer uma faxina com medo de sujar as mãos. Vamos passar o tempo todo nos estressando – e o trabalho vai resultar mal feito. Para mim, o extraordinário a que se refere Marina está em tudo ao qual a gente se entrega – mas a entrega não pode ser unilateral, tem que ser de todos os envolvidos! Nós acabamos todos sujos, mas é de uma sujeira compartilhada, e dá tanta satisfação ver o resultado do trabalho que nem percebemos nossa imundície.

Outro verso da Marina de que gosto muito é o “Agora descubra de verdade o que você ama/Que tudo pode ser seu”, da música Pra começar. Eu não diria que fazer tal descoberta seja o bastante, mas é um grande passo! Sua vida está parada? Descubra algo de que goste muito e faça um movimento, um simples movimento: pode ser se matricular num curso de pintura em acrílico, ou buscar contatos na área em que você deseja abrir um negócio. Comece! Dê esta tacada inicial, e verá como uma bola baterá em outra, que baterá em outra, que baterá em outra de cuja existência você nem suspeitava, e o jogo se desenhará numa nova configuração para você, talvez não muito fácil, mas tão sedutora, que você não quererá sair deste jogo antes do fim!

Um movimento! Faça um simples movimento! E nas horas vagas, escute Marina. Ela merece sua atenção.

Wednesday, January 09, 2008

Há dias em que não estou bem

Há dias em que não estou bem. Não é o não estar bem de quando se tem preguiça de ir trabalhar. Não é o não estar bem de quando se bebeu demais. Não é o não estar bem de quando sentimos fome, sede ou frio – não é falta de alimento, água ou agasalho. É um não sentir-se bem que vem da escassez de algo de que nem se desconfia o que é.

São dias em que não se tem vontade de fazer nada, nem mesmo as coisas de que se mais gosta. Gosto de assistir a filmes, mas não tenho vontade de assistir a algum. Gosto de ler, mas nenhum livro agrada a mim. Gosto de navegar na Internet, mas que aborrecida é a Internet! Gosto de conversar com amigos, mas que preguiça de ligar para eles!

Dizem que sentimentos negativos atraem vibrações negativas. Mas como evitá-los? Como evitar sentir inveja do amigo que vem fazendo progressos financeiros ou da amiga que anuncia gravidez? Pior: como evitar sentir-se culpada por ter um sentimento tão execrado – embora sentido – por todos, a ponto de às vezes não admiti-lo sequer para si mesmo? Para onde vai esta inveja, se não a reconheço e não lhe dou um destino? Contra quem ela se volta? Contra mim, é claro. Prostra-se, senhora de si, sob este disfarce de não estar bem. E como evitar?

E, pior ainda, quando a inveja não é de algo nobre, como progredir materialmente ou formar família? E quando a inveja é de um amigo desempregado que pode dormir até tarde durante a semana? E quando a inveja é de alguém que nossa razão diz ser apenas digno de piedade? Como não se sentir mal? Como não sentir, somada à culpa de sentir inveja, vergonha de sentir inveja de coisas mesquinhas? Como evitar a bola de neve formada pela inveja, culpa, vergonha e o que mais esta última trouxer consigo?

Uma etiqueta das emoções. É o que o homem criou. Um código do que é certo e errado no quesito sentir, assim como no vestir-se e no portar-se à mesa. Tem até o vai-e-vem de modas. Ambição, por exemplo, já esteve fora de moda. Ou pelo menos já foi muito condenada. Houve tempo em que todos os vilões das telenovelas eram ambiciosos, ao passo que os mocinhos enriqueciam sem querer. Hoje, ambição é bem vista, como aquelas roupas espalhafatosas da década de 80, para quem todo o mundo torcia o nariz pouco tempo atrás, o mesmo todo o mundo que agora as estão usando e achando o máximo.

E será que, como na moda indumentária, há sentimentos que só ficam bem para os outros, e não para mim? Será que alguns sentimentos combinam apenas com determinados tipos de pessoas. Mini-blusas só ficam adequadas em mulheres sem barriga. Será que a alegria só cai bem para certas pessoas? E a raiva? E o desejo de vingança? E o orgulho? E a compaixão? E a nostalgia? E a autocomiseração?

A diferença é que quando saem de moda, os tais modelos deixam de ser produzidos. Mas e os sentimentos? Deixam de se criar e se desenvolver dentro da gente só porque são politicamente incorretos? Será que o meio interfere tanto nas nossas vidas a ponto de determinar até nossos sentimentos? Ou será que eles continuam a nos acompanhar sob disfarces insuspeitáveis, e ficam a nos assombrar?

P.S.1: Este texto foi escrito há muito tempo, num dia em que não estava mesmo bem. Ele não reflete, de modo algum, o meu estado de espírito dos dias de hoje. Ainda bem!

P.S.2: Vívian, como não deixas um contato para que eu possa agradecer a ti pelos elogios? Faço-o aqui. Não sabes o bem que fazem palavras encorajadoras como as tuas! Muito obrigada mesmo!