Tuesday, February 19, 2008

Você vai ver um dia em que fria você vai entrar...

Fui assistir ao filme Sangue Negro no último domingo. Confirmei minha tese de que o máximo permitido antes de ver um filme é ler sua sinopse, mas nunca as críticas. Entrei absolutamente inocente na sala de cinema quando fui assistir a O show de Truman e Pequena Miss Sunshine, e em ambas as vezes saí de alma lavada. Com Sangue negro foi diferente. Li várias críticas, e todas me pintaram um épico inesquecível. Decepcionei-me. O filme não chegou a me comover. Mas devo admitir que ele tem, sim, suas qualidades.

Em primeiro lugar, a trilha sonora original é, de fato, muito original! E muito bem usada. Há seqüências longas com peças musicais insistentes – e que têm toda razão de sê-lo.

Em segundo lugar, o enredo suscita uma reflexão que para mim não é nova, mas é sempre bom reforçá-la: a de que patrimônios gigantescos ruem depressa quando não são construídos sobre bases sólidas. Daniel Plainview, interpretado por Daniel Day-Lewis, é um mineiro que aprende a perfurar o solo e a encontrar petróleo como ninguém. Portanto, enriquece. Mas Plainview é um homem cuja sensibilidade é inversamente proporcional ao seu tino para negócios, e se ele consegue tirar fortuna do solo, não sabe fazer o mesmo com pessoas – em quem, afirma, não consegue encontrar nada de bom. Ora, como dizia Kant, não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos. Plainview não enxerga nada de bom nas pessoas porque não tem nada de bom dentro de si mesmo. Ou melhor, não acredita que possa ter algo bom dentro de si – para mim, a descrença no outro, nos termos em que falo aqui, é sempre o reflexo de uma descrença em si –, e por isso prefere escavar a terra ao invés de escavar a si mesmo. De qualquer forma, eu pergunto: se não consegue conviver com outras pessoas, para que construir um patrimônio assombroso? Para jogar boliche na sua pista particular - sozinho?

Isso me lembra um amigo da minha irmã, Luciano, que semanas atrás comentava sua viagem a New York. Dizia ele em tom melancólico: “Eu visitava os museus e via telas incríveis, mas meus amigos não estavam lá para que eu discutisse a respeito delas...” É claro que, tendo a oportunidade de ir a New York, eu iria de qualquer maneira – sozinha ou acompanhada. Mas sei exatamente o que Luciano quis dizer. Há momentos na vida que não fazem sentido se não forem compartilhados.

A chegada de Plainview ao topo foi totalmente solitária. Como é a de muitos Plainviews por aí, homens e mulheres que priorizaram a vida profissional em detrimento da vida pessoal na crença de que as duas são obstáculos mútuos (quando, me parece, é justamente o oposto) e resolvem realizar-se primeiro numa para depois – crentes de que são donos de seu próprio destino, totalmente descrentes das surpresas da vida e dos caprichos da morte – na outra. Como diz Dalai Lama, vivem como se nunca fossem morrer e depois morrem como se nunca tivessem vivido.

O sujeito descobre a cura da AIDS, ou vence um campeonato mundial de tênis, ou ganha o Nobel da Literatura... Enfim, chega lá. Chega aonde sempre quis. Mas quando chega em casa, bebe sozinho a garrafa de champagne. Tem lá fora uma legião em quem desperta admiração, e aqui dentro ninguém em quem despertar orgulho.

Thursday, February 07, 2008

Sobre a fé a hierarquia social

Esta é daquele livro sobre sociobiologia que eu comentei alguns posts atrás – e sobre o qual falarei em muitos outros posts futuros:

“Algumas coisas virtualmente não existem: ateus em ninhos de metralhadoras e relações meio a meio”.

Chupem esta manga!!!

Simplesmente fantástica a citação! Concordo em gênero, número e grau!

Nunca pude presenciar – ainda bem! – uma situação que confirmasse minha hipótese, mas tenho minhas dúvidas de que um ateu mantenha-se implacável na sua descrença ao receber um diagnóstico de tumor maligno no cérebro de seu filhinho de 3 anos. Quem consegue confiar só em médicos, tão humanos – e falíveis – quanto qualquer um de nós? Na hora do aperto, acredito que todos se recusem a aceitar que estamos mesmo entregues ao nosso próprio destino. Nunca rezo, não fiz catequese, nem primeira comunhão, e nem lembro quando foi a última vez que entrei em uma igreja. Não fui sequer à missa de minha formatura de graduação. Mas em horas drásticas, aquela em que a gente costuma pensar “tô f*!”, clamei infantilmente a um ser superior que interviesse em meu favor. Ele nem sempre atendeu. Talvez porque achasse que eu precisava passar mesmo por aquilo. Talvez porque sadicamente estava a fim de rir às custas da minha desgraça. Talvez – hipótese mais provável – porque não exista mesmo. Mesmo assim, em situações posteriores, voltei a recorrer a ele, e ainda recorrerei outras tantas, o que me faz concluir que a fé não serve para conseguir sair da tempestade, mas para tolerá-la. Gil tem razão, a fé não costuma falhar. Se o objetivo dela é este mesmo de que suspeito, então ela não falha. Ela realmente nos dá forças incomensuráveis. E não posso deixar de dizer que, se lembro deste ser superior para pedir, também lembro para agradecer. Todas as noites – sem exceção! – quando eu chego da night em casa, assim que coloco os pés no corredor do meu prédio e fecho atrás de mim o portão, digo, não sei bem para quem, se para Deus, ou para o universo, sei lá, “Obrigada por ter chegado sã e salva mais uma vez!”

E sobre as relações meio a meio?

O autor completa: “Entre animais sociais, a falta de hierarquia definida produz situações muito instáveis. Ponha juntos diversos macacos (ou cães ou galinhas) pela primeira vez e voarão pêlos (ou penas). Continuarão a voar até decidirem quem é chefe e quem não é. Uma vez estabelecida a hierarquia, porém, reina a paz, interrompida apenas por pequenas brigas quando alguém tenta subir na escada social. Qualquer tentativa de mudar de posição tem probabilidade de causar rompimento.”

Com seres humanos acontece o mesmo. Sei que não somos apenas animais, e que poderíamos utilizar a razão de que tanto nos vangloriamos para viver numa sociedade igualitária. Mas justamente por causa de toda a sucessão de fracassos neste sentido que colecionamos ao longo de nossa história, começo a desconfiar de que há, sim, razão para vivermos em hierarquia. Não existe a exploração do homem pelo homem, para utilizar uma expressão de Marx, apenas porque isso é da nossa natureza. Ela existe porque talvez – quem poderá ter certeza no que diz respeito a isso? – seja mesmo necessária e inevitável. Mudanças são possíveis, mas só na superfície. Como a Revolução Francesa deu demonstrações ostensivas, o poder pode mudar de mãos, mas a tirania continua – e continua a haver quem se submeta a ela, ou porque não tem escolha, ou porque uma das alternativas exija sacrifícios pelos quais não estão dispostos a pagar.

A única coisa que defendo nesta história é que todos tenham o direito de querer e de lutar para subir na escada social. Parece cinismo da minha parte – e talvez seja mesmo – mas todo explorado deve ter o direito de se tornar um explorador, se assim o quiser e fizer por merecê-lo (será que existe um limbo entre estas duas classes, será que existem os que não são explorados, nem exploradores, os apenas bonzinhos? Deixemos a hipocrisia de lado: sinceramente, creio que não). E acredito que todos podem operar essa mudança em suas vidas. Só que para isso é preciso uma série de fatores: trabalho duro, senso de oportunidade, competência, boas relações sociais (olha aí elas de novo!), sorte. E, é claro, fé, que ela não costuma falhar!

; )

Saturday, February 02, 2008

Porto Alegre é demais!

Porto Alegre é muito grande, e tão pequena!


Ah, escrevendo sobre Porto Alegre, não pude me furtar de voltar aqui e prestar uma homenagem a ela. Eu poderia esperar o dia 26 de março – dia de seu aniversário (impressionante como me dou bem com arianos!) – para fazê-lo, mas não me agüentei e cá estou, rendida a ela!

No post imediatamente anterior a este, eu mencionei um bar, o bar a que eu fui ontem. Pois então, ele é o único bar rock n’ roll de Florianópolis – o pessoal aqui curte demais reggae e MPB. Entrando lá, pensei com todo o bairrismo a que eu jamais tinha me permitido até então: “Que legal! Parece os bares de Porto Alegre!” Vim a saber, mais tarde, que os dois donos do dito cujo são porto-alegrenses.

Sentados à mesa, bebendo cerveja, conversamos sobre diversos assuntos, até que, não sei por quê, minha irmã e o amigo dela começaram a tal conversa sobre Porto Alegre que desencadeou a minha saudade de que falo aqui embaixo (ah, detalhe: houve um requinte de crueldade, no bar tocou a música Anoiteceu em Porto Alegre!). E falando nisso, ele – o amigo – disse “Eu adoro morar em Floripa, mas como eu gosto daquela p* daquela cidade!” E isso me fez lembrar uma frase deste mesmo cara, só que dita alguns anos atrás: “Porto Alegre é uma cadela!”

É mesmo! Ela nos dá um monte de motivos para não gostar dela: trânsito, violência, caos em dias de chuva, agenda pobre de shows internacionais e temperaturas de verão que só não são mais altas que o custo de vida... Sem contar os problemas que só os oriundos do interior – como eu! – identificam. Por exemplo, grande parcela dos porto-alegrenses se preocupam demais demais demais com imagem! Gastam o que têm e o que não têm para sustentar uma aparência para seus amigos que também vivem de aparência. O charmosíssimo bairro Moinhos de Vento, então, tem flora exuberante – com suas ruas arborizadas – e uma fauna bizarríssima! 99% das mulheres são incrivelmente iguais: cabelos artificialmente louros, pele artificialmente alaranjada e sorrisos e gestos artificialmente premeditados. Um dia, lendo uma revista de moda, chamou-me a atenção o comentário de duas estilistas de São Paulo sobre o estilo das gaúchas: “Elas têm muito bom gosto, mas se vestem todas iguais!” Cada vez que vou a algum bar deste bairro (porque ao contrário de muitas pessoas, a mim importa aqueles me acompanham, e não os habitués dos lugares), sinto-me exótica com meus cabelos crespos e escuros!

Outra coisa que estranhei assim que cheguei a Porto Alegre foi a maneira de os homens “azararem” as mulheres, quase sempre tentando impressionar com aquilo que cada um acha que tem de melhor: sobrenome, posição social, emprego promissor, músculos, erudição. No interior não é assim: todo o mundo se conhece – no mínimo, conhece alguém que te conhece – e, portanto, não precisa falar – ou não adianta mentir – sobre sua família, profissão ou endereço, porque todo o mundo sabe – ou muito em breve vai poder confirmar – ou desmentir – as informações. Então o cara simplesmente conversa sobre seus interesses em relação à moça. Simples, não? Felizmente, nem todos que moram em Porto Alegre são porto-alegrenses, e nem todos os porto-alegrenses são assim.

Mas Porto Alegre é uma cadela, e mesmo com tudo isso, a gente não consegue não gostar dela! O atendimento em estabelecimentos comerciais de toda ordem é excelente, os serviços são bem – e rapidamente – prestados, o sistema de transporte coletivo é ótimo, as corridas de táxi são baratas e as ruas são lindas e arborizadas. Há locadoras de vídeo em que se pode encontrar de tudo – e onde os atendentes entendem de cinema –, cafés aconchegantes e parques lindos, como o da Redenção, que é pertinho da minha casa e tem uma feira bem legal nos sábados de manhã! Tem um pôr-do-sol maravilhoso e lugares como o Mercado Público. E tem o que eu chamo de “gente como a gente”. Na cidadezinha em que passei minha adolescência, eu me ressentia da falta de amizades, porque só havia duas alternativas: as patricinhas e as maconheiras bicho-grilo (nada contra nenhuma das tribos, a questão é que eu simplesmente me sentia deslocada em ambas). Ninguém era como eu, assim... normal, sabe? Gente para quem roupas de grife não são tudo na vida, mas para quem também não é o cúmulo do materialismo e da futilidade malhar em uma academia e almejar comer em um restaurante bacana. Eu moro em Porto Alegre desde 2003, e desde então, não houve um único ano em que eu não tenha acrescentado um número razoável de pessoas legais à minha lista de amigos.

Porto Alegre também tem algumas peculiaridades. O centro da cidade não fica no centro da cidade. A Rua da Praia – cujo nome, de fato, é Rua dos Andradas – não tem praia nenhuma. E na zona sul existe um rio que na verdade nunca existiu, mas que arde em fins de tarde de luz vermelha, de dor vermelha, vermelho-anil.

Eu sou feliz... e sei!!! : )

Detalhe do Parque da Redenção: "quintal" saudoso da minha casa.


Geralmente utilizo este espaço para discutir assuntos objetivos: política, comportamento, arte. Hoje, no entanto, vou me egocentrar (não sei se existe este verbo – o Word não reconheceu –, mas se não existe, estou inventando agora!) e falar um pouco de mim!

Hoje faz dez dias que estou em Florianópolis. Tirando o recente dilúvio, não tenho do que reclamar. A casa em que estou hospedada não poderia ser melhor: os anfitriões são supergentis, a piscina é gostosíssima e no “meu” quarto tem computador plugado na internet. Ah, claro, tinha esquecido as praias... Mas dessas não preciso nem falar!

Contudo, tive um momento epifânico ontem. Num bar, no momento em que ouvi minha irmã dizer algo do tipo “Fica ali na Vasco”, referindo-se a uma rua do bairro Bom Fim, Porto Alegre, bairro este em que moro, me vieram à mente diversos elementos do meu cotidiano: o Zaffari, a locadora Espaço Vídeo, minha ruazinha amada, Fernandes Vieira, minha casa, minha cama, meus livros, meus cd’s, meu computador, MEUS AMIGOS, meus alunos, meu trabalho, os lugares que freqüento – a Redenção, a academia, a escola de música, os bares da Cidade Baixa, a Lancheria do Parque – enfim, A MINHA VIDA, e meu deu uma saudade doída dela, uma vontade louca de que o carnaval passe de uma vez e que tudo volte ao normal!!!

Foi neste momento, afastada de tudo e de todos, que percebi como minha vida, de uns tempos para cá – mais precisamente a partir de outubro de 2007, mais ou menos – tem sido maravilhosa!!! Tanta gente reclama da rotina, mas eu amo tanto a minha!

E então fiquei me perguntando: será que foi a minha vida que mudou ou fui eu que mudei o jeito de vivê-la?

Eu não sei a resposta, mas aposto na segunda hipótese. Houve, sim, algumas mudanças, das quais a que mais se destaca é o fato de eu ter começado a estudar canto. Não sei explicar o porquê, mas esta aproximação com a arte – e uma arte que envolve outras pessoas, como é o caso da música, porque desde sempre eu tenho o hábito de escrever, mas escrever é solitário, não envolve troca – mexeu muito comigo, me fez mais sociável, mais alegre, mais autoconfiante, e mais receptiva para as boas vibrações do mundo. Inclusive, justamente um colega da escola de música observou que eu tenho muita necessidade de me expressar. Ele tem razão. Mas eu não era assim. Tanto que publicava com muito menor freqüência neste blog. E me manifestava pouco em presença de outras pessoas, fosse em reuniões de trabalho, fosse em reuniões de amigos.

Mas todas essas mudanças provocadas pela música só foram possíveis porque eu mudei. Dois anos atrás, eu não teria me permitido interagir tanto com os colegas. Aliás, dois anos atrás, eu não teria me matriculado na tal escola de música. Tanto é que não me matriculei. : )

O que se passou comigo para que essas mudanças fossem possíveis?

Não consigo imaginar nenhuma outra resposta que não seja os quatro anos de análise. Quando me vejo quatro anos atrás, percebo o quanto eu era bruta, fria, medrosa. E sovina. Não em termos financeiros, porque não tinha tanto a poupar. Mas em termos de emoções – e isso eu já tinha de sobra, e economizava, escondia tudo debaixo do colchão, temerosa de investir em maus negócios, a espera daquele negócio da China que um dia chegaria e que, é evidente, nunca chegou. E, sendo assim, eu acumulava, e o acúmulo desvalorizava, embolorava e me fazia mal. Tanta economia resultava naquele famoso barato que sai caro. E o pior é que jamais suspeitei disso. Foi meu terapeuta que me mostrou. A muito custo, é claro, porque eu resistia a admiti-lo. O meu terapeuta, tem que ser tão paciente ele!...

O fato é que, nas emoções, assim como nas finanças, quem não aposta não ganha. E quem quer ganhar tem de estar disposto a perder. Tem de estar disposto a demonstrar mesmo sem a certeza de que a recíproca será verdadeira.

E neste sentido, posso dizer que estou me tornando uma investidora agressiva! Alguns riscos são irrelevantes, outros são bem grandes. Mas são eles que estão dando tanta cor à minha vida. A ponto de estar em férias em Floripa, morrendo de saudade da minha rotina em Porto Alegre!



P.S.: Eu desejo do fundo do meu coração que todas as pessoas que fazem parte da minha vida estejam tão de bem com suas vidas como estou com a minha! ; )

Friday, February 01, 2008

Sexo com amor?


O beijo, de Rodin: o sexo sem amor é um pré-requisito do erotismo autêntico.

Hoje estréia nos cinemas brasileiros a comédia Sexo com amor?, primeiro filme de Wolf Maya, adaptação de um longa chileno sobre três casais que passam por uma fase turbulenta no décimo ano de vida em comum. Não vi o filme, mas as breves sinopses a que tive acesso e o título me fizeram lembrar de súbito justamente o capítulo que estou lendo de um livro sobre sociobiologia, ramo da ciência que pretende encontrar razões biológicas para o comportamento humano.

Já me deparei com várias idéias com as quais discordei totalmente. Exemplo: os pais protegem tanto sua filha adolescente porque não querem que ela engravide cedo demais, pois neste caso, ela não terá perfeitas condições de criar seu bebê, que pode vir a morrer ou, caso vingue, crescer com fragilidades que impedirão a transmissão dos seus genes adiante. Em suma: os pais protegem porque querem garantir sua continuidade genética. Nada a ver com o sofrimento da menina em sacrificar sua adolescência e complicar sua vida pessoal e profissional no futuro. Francamente!!!

Outra coisa de que não gosto é a insistente idéia de analisar os seres humanos como se fosse um animal qualquer. Humanos têm psique, e isto muda, senão tudo, muita coisa.

Por exemplo, o autor diz que os machos (humanos, inclusive), por melhores que sejam em relação aos seus semelhantes, perdem sua posição no mercado sexual quando sua fêmea está prenhe (para humanos, leia-se “quando está comprometido”), porque tem uma companheira que precisa vigiar (proteger dos predadores, prover, etc, afinal, é o seu filho – seus genes – que está em jogo) e que também o vigia (para que outras fêmeas não venham seduzi-lo e, desse modo, abandone-a neste momento em que a força de um macho é imprescindível), e “por isso é menos desejável para outras mulheres. (...). Ele agora perde para machos que talvez sejam claramente inferiores, mas que são escolhidos em seu lugar simplesmente porque estão ‘livres’” (p.91). Pela lógica, as outras fêmeas preferem um macho que, apesar de não tão “bom partido”, estarão ao lado delas para criar a prole. Mas entre humanos, a lógica é outra, não obedecendo a relações de causa e efeito. Muitas mulheres se interessam, sim, por homens comprometidos, justamente porque são comprometidos! As razões podem ser várias: uma pode acreditar que só merece homens pela metade, ser a reserva, a segunda colocada no pódio; outra pode temer sofrer por um possível futuro abandono, e por isso, evita envolvimentos mais sérios. E nem todas querem ter prole (isto pode não ser natural – particularmente, acho muito bizarro alguém não querer ter filhos –, mas aí é que está o ponto em que eu insisto: humanos não são apenas naturais, mas também, e talvez principalmente, culturais).

Há contudo idéias interessantes que encontram, em alguma medida, correlato entre humanos. Por exemplo, quando se questiona sobre a suposta queda de freqüência sexual depois de determinado tempo de casamento, o autor, Robert Wallace, argumenta:

“Pessoas estabelecem laços. Alguns chamam isto de amor. Parece também que laços não se desenvolvem da noite para o dia. Se, para estabelecer laços, leva tempo, deve haver algum meio de conservar os sexos juntos por tempo suficiente para que os laços sejam formados – e sexo puro e bruto é um meio. Depois de formados os laços, a cópula se torna menos importante e muitas vezes diminui de freqüência.”

Ao ler este trecho, me veio à memória aquele verso da música de Arnaldo Jabor gravada por Rita Lee: “Sexo antes, amor depois”. Pois então, é aí que entra o título do filme de Wolf Maya: “sexo com amor?” Como diz Wallace, amor não brota da noite para o dia. Amor é uma construção. Aquilo de que os românticos do século XVIII falam em seus poemas e romances é outra coisa – projeções narcisistas, talvez – mas certamente não é amor. Portanto, ninguém faz sexo com amor sem antes tê-lo feito sem amor. Primeiro você faz sexo por uma série de outras motivações – atração física, carência afetiva, etc – e depois, com o tempo da convivência, das conversas pós-sexo (se você não teve o azar de estar com parceiros que dormiam – ou iam embora – logo depois – a não ser que você tenha levado para casa alguém tão desinteressante e sem assunto que quis mais é que a pessoa fosse embora de uma vez!), etc, etc, etc, vão surgindo outros interesses, outros encantos, e aí, sim, formam-se os laços para se fazer, enfim, sexo com amor.

Só não concordo quando o autor diz que “a cópula se torna menos importante”. Na minha opinião, não é que se torne menos importante. É que o casal passa a copular de outras maneiras – simbólicas. Freud pegou justamente de Darwin o conceito de evolução – segundo o qual dois se unem para criar um terceiro melhor – para sustentar a teoria de que o casal se une para criar terceiros melhores, o que não necessariamente são filhos. Pode ser a construção de uma casa, a formação de um negócio ou uma viagem. Enfim, qualquer projeto conjunto em que haja investimento – não só financeiro, mas emocional – de ambas as partes. Segundo Freud, tudo isso também é sexo. E com amor. Porque sexo sem amor você pode fazer com qualquer um, mas você não faria sociedade com o primeiro que lhe aparecesse pela frente, certo?