Saturday, June 21, 2008

Sobre as restrições do Estado e da vida

Acabo de ler na Zero Hora – tenho comprado com alguma freqüência, já que minha cachorrinha precisa de um banheiro, hehehe – sobre a nova lei de tolerância zero em relação a motoristas que dirigem sob o efeito do álcool. Segundo esta lei, não poderá haver um mísero resquício de álcool no sangue do condutor do veículo, ou ele pagará multa de R$ 955,00 e perderá a carteira de habilitação por um ano.

Isso me remeteu a um fato que vivi na última quinta-feira: estava atravessando a Oswaldo Aranha quando, no canteiro que divide a avenida, deparei-me com uma grade de proteção. Pensei: “Ué, e agora, como vou atravessar?”. Olhei para os lados e vi que mais adiante havia uma abertura que desembocava exatamente na faixa de segurança. Fui até lá, atravessei em segurança enquanto os carros esperavam o sinal abrir e cheguei à calçada ilesa e refletindo sobre o assunto.

Achei um saco não poder atravessar a avenida do ponto em que me encontrava, mas sei que o Estado pôs aquela grade ali para me proteger. Se não houvesse grade, eu e mais uma porção de gente atravessaríamos fora da faixa, confiantes na própria capacidade de avaliar velocidade, tempo e distância para atravessarmos sem nos machucar – e sem amassar o carro e atrasar o compromisso de alguém. Ora, nem eu nem um monte de gente somos retardados a ponto de não sabermos fazer tal avaliação. Mas acidentes acontecem mesmo, e é melhor evitá-los.

A questão é: por que o Estado tem de tomar este tipo de medida para que o cidadão não se estrepe todo? Seria melhor confiar: “não é necessário colocar grade de proteção, pois o cidadão sabe que é melhor para si atravessar na faixa de pedestres”. Acontece que o cidadão não pensa assim (ou pensa, mas não age), do mesmo modo como não pensa que é mais seguro para si e para os outros dirigir sóbrio. E tome restrições do Estado! Do que resulta uma pergunta tostines na minha cabeça: o cidadão é infantil por que o Estado o trata como criança ou o Estado trata o cidadão como criança porque ele é infantil?

Outra questão é: por que o Estado não educa ao invés de usar paliativos como barras e leis? Não seria melhor conscientizar as pessoas do que é mais seguro? Seria, mas campanhas de conscientização não funcionam – e custam dinheiro. Além do mais, educação é um projeto de resultados a longo prazo, uma lavoura de cuja colheita, muitas vezes, quem semeou não desfruta. Portanto, até que as campanhas começassem a fazer efeito – se fizessem –, muita gente ainda morreria na contramão atrapalhando o tráfego.

Uma terceira questão é: se o pedestre não tem amor pela sua vida e não se cuida, por que o Estado não deixa que ele morra de uma vez? Bom, primeiro, porque pode ser que ele não morra. Pode ser que ele só se quebre todo, e será um hospital público que vai arcar com seu tratamento. Sai mais barato pôr grade de proteção. Sem contar que o pedestre deve ter família – uma família que não lhe deu subsídios para que construísse amor próprio, é verdade, mas ainda assim, uma família que sentirá sua falta. Segundo, porque morrendo o pedestre ou não, o pobre do motorista que vinha dirigindo direitinho provavelmente vai se incomodar com isso. Eis a complexidade da vida em sociedade: quem quer se ferrar, não se ferra sozinho. A pessoa pode levar consigo quem não tinha nada a ver com a história.

E eis o ponto em que eu queria chegar: reconheço e louvo as boas intenções do Estado, mas considero sua luta inglória, porque no conflito indivíduo versus coletividade, vence o indivíduo. De nada adiantam campanhas contra a direção embriagada e o uso de drogas ou pelo sexo seguro. Estas campanhas apontam os malefícios destas práticas perigosas sem levar em conta que o problema é que as pessoas que as praticam querem mesmo é se prejudicar. Ou porque são oriundas de lares desestruturados, ou porque não têm auto-estima nenhuma, sei lá! A única coisa que eu sei é que se esse povo quisesse se preservar, não estaria dirigindo alcoolizado, transando sem camisinha ou se drogando. Apontar em campanhas os prejuízos que isso causa às demais pessoas, então, é piada! Se o sujeito não se importa consigo próprio, acham mesmo que ele vai se importar se a droga que ele consome financia a violência ou se ele vai matar alguém na estrada? Come on!

O fato é que essas pessoas estão desorientadas. Faltou-lhes quem lhes desse um rumo na vida do mesmo modo como o Estado me deu um rumo para atravessar a rua com segurança. Nem todos os limites que (a família, o chefe, o governo e a própria vida) nos impõem devem ser vistos como obstáculos para nos impedir de chegar aonde queremos. Às vezes eles são justamente um meio para que cheguemos bem ao outro lado. Acontece que para alguns essa boa intenção não ficou clara - o que resultou em rebeldia -, e para outros, não houve intenção nem limite - o que resultou em irresponsabilidade. Deixaram que eles atravessassem a rua onde bem entendessem, e eles estão aí, vivendo numa eterna roleta russa. Estes vivem dando oportunidades para que o acaso lhes apresente a morte, e para quem vive assim, a vida alheia não é importante, assim como também não são R$ 955,00 e um ano sem habilitação.