Sunday, February 08, 2009

É bom, mas é ruim e vice-versa

No ano passado eu tive uma aluna chamada Carolina. Como tinha muita facilidade com a Língua Inglesa, ela era sempre uma das primeiras a concluir as atividades, e, por causa disso, enquanto esperávamos que os outros ficassem prontos para correção, costumávamos bater papo. Um dia, Carolina comentou que fazia ballet. Disse que devia à dança sua disciplina e que adorava dançar. Mas, ela também contou que havia dias em que não aguentava mais fazer ballet, e que por várias vezes prometeu a si mesma, sem sucesso, abandonar este compromisso.

Na hora em que ela relatou tudo isso, não atinei em lhe dizer, mas a verdade é que ela, nos seus tenros 16 ou 17 anos, estava aprendendo, da maneira mais saudável possível – graças a Deus! –, que tudo na vida tem um preço. Mais do que isso, tudo tem valor – os preços são objetivos, os valores, não. Estes variam. Determinadas coisas podem ter valores diferentes para pessoas diferentes e até mesmo para a mesma pessoa em momentos diferentes.

Vejam bem, não se trata da velha questão de que tudo tem um lado bom e um lado ruim. Isto é muito simples. A questão aqui é mais complexa: trata-se de a mesma coisa ser ruim e boa ao mesmo tempo. Para Carolina, fazer ballet é bom, mas é ruim. É ruim ter de interromper o que se está fazendo para preparar a mochila com sapatilhas e malhas, pegar um ônibus, chegar à escola, fazer aquecimento, dançar, levar xingão da professora rígida e voltar para casa toda dolorida. Mas, se Carolina conseguisse cumprir sua promessa de abandonar o ballet, do que ela mais sentiria falta? Das colegas? Não, ela poderia encontrar as colegas em um bar ou no cinema. Das músicas? Ela poderia baixá-las todas da Internet. De calçar as sapatilhas? Que as calce em casa e dê rodopios na ponta dos pés em plena sala de estar, qual é o problema? Não, Carolina sentiria falta de calçar as sapatilhas, de ouvir aquelas músicas e de encontrar aquelas colegas naquele contexto. Em outras palavras, ela sentiria falta de ter de interromper o que está fazendo para preparar a mochila com sapatilhas e malhas, pegar um ônibus, chegar à escola, fazer aquecimento, dançar, levar xingão da professora rígida e voltar para casa toda dolorida.

Eis uma dificuldade da vida, presente em diversos âmbitos e faixas etárias: gostar do que nos incomoda – ou sermos incomodados por aquilo de que gostamos, whatever, a ordem dos fatores não altera o problema – ou será que altera?

Se altera ou não, não sei, o que sei é que faz toda a diferença termos consciência desta ambivalência. Quantos não abandonam sua profissão, seu emprego, seu casamento – ou até mesmo a condição de solteiro – porque pensam que não são felizes, e só pensam isso porque, ao contrário da jovem Carolina, ainda não se deram conta de que felicidade é isso aí mesmo... ela vem com uma dose de insatisfação. Há um conto de Clarice Lispector – se não me engano, chama-se Amor – em que a protagonista tem nojo dos filhos. E como não ter?

Se eu não abandonei minha profissão até hoje, é porque as férias dos professores é mais longa do que a de outros profissionais, o que me permite perceber minha saudade de planejar aulas, corrigir pilhas de provas, ir a conselhos de classe... e conversar com alunos interessantes como Carolina.

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