Friday, February 01, 2008

Sexo com amor?


O beijo, de Rodin: o sexo sem amor é um pré-requisito do erotismo autêntico.

Hoje estréia nos cinemas brasileiros a comédia Sexo com amor?, primeiro filme de Wolf Maya, adaptação de um longa chileno sobre três casais que passam por uma fase turbulenta no décimo ano de vida em comum. Não vi o filme, mas as breves sinopses a que tive acesso e o título me fizeram lembrar de súbito justamente o capítulo que estou lendo de um livro sobre sociobiologia, ramo da ciência que pretende encontrar razões biológicas para o comportamento humano.

Já me deparei com várias idéias com as quais discordei totalmente. Exemplo: os pais protegem tanto sua filha adolescente porque não querem que ela engravide cedo demais, pois neste caso, ela não terá perfeitas condições de criar seu bebê, que pode vir a morrer ou, caso vingue, crescer com fragilidades que impedirão a transmissão dos seus genes adiante. Em suma: os pais protegem porque querem garantir sua continuidade genética. Nada a ver com o sofrimento da menina em sacrificar sua adolescência e complicar sua vida pessoal e profissional no futuro. Francamente!!!

Outra coisa de que não gosto é a insistente idéia de analisar os seres humanos como se fosse um animal qualquer. Humanos têm psique, e isto muda, senão tudo, muita coisa.

Por exemplo, o autor diz que os machos (humanos, inclusive), por melhores que sejam em relação aos seus semelhantes, perdem sua posição no mercado sexual quando sua fêmea está prenhe (para humanos, leia-se “quando está comprometido”), porque tem uma companheira que precisa vigiar (proteger dos predadores, prover, etc, afinal, é o seu filho – seus genes – que está em jogo) e que também o vigia (para que outras fêmeas não venham seduzi-lo e, desse modo, abandone-a neste momento em que a força de um macho é imprescindível), e “por isso é menos desejável para outras mulheres. (...). Ele agora perde para machos que talvez sejam claramente inferiores, mas que são escolhidos em seu lugar simplesmente porque estão ‘livres’” (p.91). Pela lógica, as outras fêmeas preferem um macho que, apesar de não tão “bom partido”, estarão ao lado delas para criar a prole. Mas entre humanos, a lógica é outra, não obedecendo a relações de causa e efeito. Muitas mulheres se interessam, sim, por homens comprometidos, justamente porque são comprometidos! As razões podem ser várias: uma pode acreditar que só merece homens pela metade, ser a reserva, a segunda colocada no pódio; outra pode temer sofrer por um possível futuro abandono, e por isso, evita envolvimentos mais sérios. E nem todas querem ter prole (isto pode não ser natural – particularmente, acho muito bizarro alguém não querer ter filhos –, mas aí é que está o ponto em que eu insisto: humanos não são apenas naturais, mas também, e talvez principalmente, culturais).

Há contudo idéias interessantes que encontram, em alguma medida, correlato entre humanos. Por exemplo, quando se questiona sobre a suposta queda de freqüência sexual depois de determinado tempo de casamento, o autor, Robert Wallace, argumenta:

“Pessoas estabelecem laços. Alguns chamam isto de amor. Parece também que laços não se desenvolvem da noite para o dia. Se, para estabelecer laços, leva tempo, deve haver algum meio de conservar os sexos juntos por tempo suficiente para que os laços sejam formados – e sexo puro e bruto é um meio. Depois de formados os laços, a cópula se torna menos importante e muitas vezes diminui de freqüência.”

Ao ler este trecho, me veio à memória aquele verso da música de Arnaldo Jabor gravada por Rita Lee: “Sexo antes, amor depois”. Pois então, é aí que entra o título do filme de Wolf Maya: “sexo com amor?” Como diz Wallace, amor não brota da noite para o dia. Amor é uma construção. Aquilo de que os românticos do século XVIII falam em seus poemas e romances é outra coisa – projeções narcisistas, talvez – mas certamente não é amor. Portanto, ninguém faz sexo com amor sem antes tê-lo feito sem amor. Primeiro você faz sexo por uma série de outras motivações – atração física, carência afetiva, etc – e depois, com o tempo da convivência, das conversas pós-sexo (se você não teve o azar de estar com parceiros que dormiam – ou iam embora – logo depois – a não ser que você tenha levado para casa alguém tão desinteressante e sem assunto que quis mais é que a pessoa fosse embora de uma vez!), etc, etc, etc, vão surgindo outros interesses, outros encantos, e aí, sim, formam-se os laços para se fazer, enfim, sexo com amor.

Só não concordo quando o autor diz que “a cópula se torna menos importante”. Na minha opinião, não é que se torne menos importante. É que o casal passa a copular de outras maneiras – simbólicas. Freud pegou justamente de Darwin o conceito de evolução – segundo o qual dois se unem para criar um terceiro melhor – para sustentar a teoria de que o casal se une para criar terceiros melhores, o que não necessariamente são filhos. Pode ser a construção de uma casa, a formação de um negócio ou uma viagem. Enfim, qualquer projeto conjunto em que haja investimento – não só financeiro, mas emocional – de ambas as partes. Segundo Freud, tudo isso também é sexo. E com amor. Porque sexo sem amor você pode fazer com qualquer um, mas você não faria sociedade com o primeiro que lhe aparecesse pela frente, certo?