Sunday, April 01, 2007

Os pseudo-intelectuais contra o Big Brother

É o que eu costumo dizer: pior que alguém sem espírito crítico algum, é alguém sem espírito crítico algum que acredita tê-lo. O segundo tipo existe em número bem menor do que o primeiro, mas já começa a se proliferar, manifestando suas opiniões enlatadas em discursos gastos pelo uso e repletos de lugares-comuns.

Recebi por e-mail semanas atrás uma mensagem que, aparentemente, pretendia fazer o leitor “refletir” sobre a mediocridade do povo brasileiro a partir do gosto deste pelo programa Big Brother Brasil. E como, sabe-se lá por quê, de uns tempos para cá “refletir” virou sinônimo de falar mal, dizia a mensagem que, se 29 milhões de pessoas ligam para eliminar um “bobão” ou uma “bobona” (palavras do autor) a cada paredão, e se cada ligação custa hipotéticos R$ 0,30, isso significa que a Rede Globo e a operadora do 0300, em caso de terem feito um acordo de divisão igual do valor arrecadado, embolsarão semanalmente, cada uma, a quantia de R$ 4,35 milhões. Feito este raciocínio, o autor – que, creio eu, considera-se crítico – abusa do senso comum: escreve que é um absurdo o trabalhador gastar tanto dinheiro com um programa que nada acrescenta à sua formação (ao invés de investi-lo em livros de literatura e filosofia que o fariam exercitar sua autocrítica); que quem paga esta fortuna para votar em quem deve sair do programa não sabe em quem votou na última eleição; que os participantes do programa não têm cultura nem vocabulário básico, enfim, aquele blábláblá batido de pseudo-intelectual.

Alguns argumentos são tão rasos que chega a dar preguiça de contrariar. Em primeiro lugar, não é em toda semana que há 29 milhões de ligações, aliás, 29 milhões de votos não significam o mesmo número de ligações: pode-se votar – gratuitamente – pela Internet. Em segundo, a quantia assombrosa apontada pelo autor é, como ele próprio afirma, a soma arrecadada. Se algum telespectador votar em todos os paredões, ao final do programa ele terá gasto cerca de R$ 3,00. Nem a literatura e a filosofia mais baratas custam isso. Ontem mesmo paguei o dobro deste valor por uma edição de bolso usada de Hamlet. Em terceiro, o argumento de que o programa não acrescenta nada à formação do público é totalmente inválido. Digamos que a afirmação seja verdadeira. Não vejo razão para que isso sirva de base para classificá-lo como inútil. Os torcedores também empregam fortunas para assistir a jogos de futebol – nos estádios ou em canais de pay-per-view – que também nada acrescentam às suas faculdades intelectuais. E não vejo mal nenhum nisso. Tanto a proposta do Big Brother quanto a do futebol são outra: divertir. Em quarto lugar, o autor da mensagem utiliza o termo “cultura” equivocadamente. Não existe ser humano sem cultura. O que existe é variação cultural. O autor poderia, no máximo, afirmar que os participantes não são eruditos, nunca que eles são incultos. E em quinto, há, sim, participantes inteligentes em todos as edições do programa. Alguns se destacam pela habilidade nas relações interpessoais, outros, no planejamento estratégico do jogo, e outros, para a surpresa do autor, no uso correto do português. Eu mesma já testemunhei uma sister corrigindo os erros de concordância nominal – e utilizando exata e corretamente esta nomenclatura – de uma colega.

Porém, de todos as idéias veiculadas pela mensagem, a que me parece ser a mais superficial é a de que o Big Brother Brasil faz sucesso porque o público é, digamos assim, pouco dotado intelectualmente. Tenho outra teoria: a de que este programa tenha uma função simbólica. O ponto mais evidente é a recorrente vitória de membros de minorias da sociedade, como pobres e homossexuais. Finalmente se pode assistir a alguém humilde e justo vencer na vida, desejo de todo cidadão brasileiro! Mas há ainda outros aspectos. O Big Brother é o único espaço em que o brasileiro tem reais condições de avaliar quem é honesto ou não, para poder premiar os primeiros e banir os últimos (a quem contra-argumentar que as edições da emissora são tendenciosas, sugiro voltar algumas linhas neste texto e reler a palavra “simbólica”). É a única oportunidade em que o brasileiro pode fazer e refazer esta avaliação semanalmente, e expulsar quase que imediatamente quem traiu sua confiança. Em nenhum outro caso, acredito, o brasileiro testemunha, julga, condena e pune os fisiologistas. Deve ser por isso que quem paga para votar no Big Brother não lembra em quem votou de graça em Brasília. Aliás, Brasília deveria se inspirar em alguns detalhes do programa. Substituir os salários astronômicos pelo regime de estalecas, por exemplo. Liderança na câmara? Prova de resistência (moral, é claro) neles! E, como não poderia deixar de ser, as câmeras e microfones por todos os lados, vigiando e delatando ininterruptamente. Com uma eliminação por semana, para excluir os imorais ou, no mínimo, aqueles que não comparecem às sessões e, por isso, acabam não fazendo diferença.

Não quero dizer com tudo isso que o programa em questão não tenha pontos negativos, mas apenas que os pontos que a mensagem levanta como tal são imediatistas. Ser crítico não é falar mal das coisas, mas se perguntar por que elas são do jeito que são. Sempre há uma razão – no mínimo! E não existe produto cultural que nada acrescente àqueles que dele desfrutam. Se estes realmente tiverem espírito crítico, terão a oportunidade de exercitá-lo não importa diante do quê. O olhar que se dirige ao objeto é muito mais relevante que o próprio objeto. Pensar que “se está na Globo, e o povo gosta, certamente é porque é ruim” é o extremo oposto da crítica consciente: é preconceito, idéia preconcebida, pseudo-intelectualidade. Pro paredão com tudo isso!