Sunday, May 20, 2007

Prazer doloroso

Cada um com suas esquisitices: às vezes, eu tenho saudade de algumas passagens de romances, contos ou poemas que já li. Estava agora mesmo ouvindo uma música lindíssima da Barbara Lewis, Hello stranger, que fez eu correr para minha estante de livros e procurar uma passagem de Vida e época de Michael K, do sul-africano JM Coetzee (a vantagem de se ter os livros em casa, ao invés de pegá-los emprestados de amigos ou bibliotecas). Não foi difícil encontrar a passagem, pois tenho com meus livros favoritos a mesma intimidade que tenho com as pessoas por quem nutro grande estima. E a passagem estava sublinhada. Sinal de que eu já tinha gostado dela quando li a obra quatro anos atrás.

A passagem se refere ao momento em que o protagonista, depois de um longo período comendo grama, e às vezes passando fome mesmo, come a primeira fatia de abóbora que plantou em uma fazenda abandonada:

“Levou a primeira fatia até a boca. Debaixo da pele crocante e torrada, a carne era macia e suculenta. Mastigou com lágrimas de alegria nos olhos. A melhor, pensou, a melhor abóbora que eu comi na vida. Pela primeira vez, desde que voltara para o campo, teve prazer com a comida. O sabor da primeira fatia deixou sua boca dolorosa de prazer sensual”

Dolorosa de prazer sensual. Foi mais precisamente esta expressão que fez com que eu lembrasse da passagem escutando Barbara Lewis. Sua voz, ao menos na canção mencionada, deixa meus ouvidos dolorosos de prazer sensual. Seu timbre e melodia são tão delicada e sofisticadamente belos, que cada segundo passado da canção me causa prazer, mas também tristeza, porque é um segundo a menos, um passo a mais rumo ao fim.

Isso me lembra aquele meu post sobre A felicidade clandestina, da Clarice Lispector. De novo volto a falar sobre o preço exigido pelo que é bom para que o apreciemos. É preciso muita coragem para desfrutarmos da felicidade, muita maturidade para sabermos lidar com a tristeza de quando ela acabar – a parte dolorosa do prazer.

Palavra final

Resolvi fazer para mim mesma as perguntas da seção Palavra Final, da revista Época:

O que não vale a pena?
Discutir com gente burra.

Maior mentira que já contou...
Não lembro de nenhuma grande mentira que eu tenha contado.

Um lugar especial na Terra...
Minha casa, sem dúvida!
E a praia de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis.

Uma mulher interessante...
Quase todas, com poucas exceções.

Um homem interessante...
Oscar Niemeyer,
O meu amigo Cleber

Qual é o seu lema?
Mesmo nas piores situações há pontos de que se pode tirar proveito.

Um dia perfeito...
Um dia de sol em que eu consiga fazer tudo o que eu tenha planejado no dia anterior.

Sua qualidade mais marcante...
A minha disposição para ouvir, talvez.

De quem você tem inveja?
No momento, de ninguém.

Na pele de quem você gostaria de passar um dia?
De uma águia, para voar, voar, voar...

Quem é a pessoa viva que você mais admira?
No momento, minha colega Valéria. Ela tem 58 horas-aula por semana, planeja aulas criativas, faz exercícios físicos regularmente e ainda é boa mãe: sou professora do filho mais velho dela e posso afirmar que o garoto é ótimo!

Sua maior extravagância...
Fazer terapia.

Qual é o seu preço?
Eu não tenho preço, mas a minha hora-aula particular tem. É baratinho, deixa um comentário, podemos negociar!

De que você tem orgulho?
De já estar completando dois anos no meu emprego! Da relação que tenho com meus alunos. De um dia em que um aluno que era líder de turma resistiu a participar de uma reunião só porque ela aconteceria bem na hora da minha aula (disso eu vou lembrar até no meu leito de morte!).

De que você mais sente falta?
No momento, de dinheiro! Ainda bem que é disso. Podia ser de algo ainda mais imprescindível, como saúde ou ânimo.

Para você, o que é felicidade?
O próprio processo de construção da felicidade, que vem a ser a busca por preencher algumas lacunas. Sem lacuna, ninguém é feliz. É morto.

O que você compra sempre?
Comida. Não sou consumista.

Se ganhasse poderes sobrenaturais por um dia, qual seria sua primeira ação?
Ficar com um corpão, hahaha!

O que você gostaria de ouvir de Deus ao chegar ao céu?
Pode voltar lá e aproveitar mais uns minutinhos.