Friday, September 01, 2006

Um elogio da leitura


Todos os dias eu redescubro a maravilha da literatura. Seria natural que meus olhos já estivessem acostumados a ela. Que o fascínio já tivesse se desgastado, perdido um pouco do seu brilho. Mas ocorre o contrário. Quanto mais eu vivo, mais me encanto. Este é, de fato, um caso em que me identifico com aquele poema do Caeiro,
...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Sinto-me nascida a cada momento para a eterna novidade da literatura.

A leitura de um texto literário é como um relacionamento amoroso, sexual. No início deste, há uma certa cerimônia, uma cautela, principalmente se passamos muito tempo com outra pessoa de um relacionamento anterior. Vamos tateando, conhecendo aos poucos a nova pessoa, ansiosos para descobrir suas qualidades, temerosos quanto aos seus defeitos. E tem a questão da insegurança. Será que estou agradando? Será que ele ou ela vai me satisfazer? Então há um receio por um possível fracasso, um abandono, pelo desperdício de tempo e energia investidos. De qualquer maneira, é preciso tentar. Pode ser que dê certo, e se insistirmos mais um pouco?

Com o texto literário é a mesma coisa. Principalmente se ficamos muito tempo lendo outro antes do atual. Levamos tempo para nos acostumar com o novo estilo, o novo enredo, as personagens diferentes, a temática original. Quase nunca sou pega desde a primeira página. Aliás, nem no primeiro capítulo. Como nas minhas relações pessoais, eu custo um pouco a me entregar. Às vezes a falta de encanto é tanta, que não chego ao seu fim. E, como num relacionamento rompido, há a frustração - "poderia ter empregado meu tempo lendo outra coisa" -, e até uma certa culpa: "se eu tivesse tentado mais um pouco, não teria eu lido o melhor livro da minha vida?"

Talvez o fato de algumaas pessoas não gostarem de ler literatura se deva à expectativa de um gozo instantâneo. Mas como no sexo, é preciso suar para atingir o êxtase. É necessário esforço e envolvimento. E, é claro, é necessário um tesão inicial. E é engraçado como me sinto quando percebo que só faltam vinte páginas para o final. Leio com mais lentidão, atraso o processo para aproveitar um pouco mais.

Hemingway disse que quando terminava de escrever, sentia um cansaço "semelhante ao de quando se termina de fazer amor". Eu sinto isso quando termino uma leitura. E nunca mais olho para aquele amontoado de páginas, aquela capa na minha estante da mesma maneira. É sempre um olhar de cumplicidade, como o de dois amantes em um evento social. Um bom livro sempre nos modifica.