Sunday, August 24, 2008

ALL YOU NEED IS LOVE!

Diná: love is all you need!

Já que falei de paixão no post anterior, venho agora falar de amor. Todos nós já assistimos a uma porção de filmes sobre o amor, já lemos poemas e histórias de amor, já nos encantamos com canções como Eu sei que vou te amar e outras tantas. Mas o que de melhor eu li sobre o amor, algo que repercutiu de fato na minha vida, foi, pasmem, uma reportagem da revista Vida Simples.

A reportagem é fantástica em vários aspectos. Em primeiro lugar, ela diferencia amor de paixão. Em segundo, joga um balde de água fria em muita gente que pensa que já amou ou que pensa que amor está dentro de si, adormecido, esperando a pessoa certa para ser despertado. Não, segundo os especialistas referidos pela reportagem, o amor é fruto de prática e exercício, esforço e paciência. E sua recompensa não é o amor recíproco do objeto do amor, mas o próprio amor, um sentimento que nos transborda de felicidade. Para finalizar, a revista recomenda que comecemos o treino do amor por algo pequeno, como cuidar de uma planta ou animalzinho. Ah, já ia esquecendo, a reportagem diz que o amor só surge de uma rotina em que cuidamos de algo!

Li esta reportagem em 2005, e ela nunca me saiu da cabeça. Concluí, ao lê-la, que eu nunca tinha amado e que estava disposta a fazer os tais exercícios. Como na época, por razões que não vem ao caso explicar, eu não podia ter um animal, resolvi comprar algumas flores. Coitadas, morreram todas. Mas, professora que sou, sabia que não se aprende uma coisa de uma hora para outra e que o erro faz parte do processo de aprendizagem. Eu precisava, na verdade, de um desafio maior, algo que fizesse reivindicações.

Este ano, diante da disponibilidade de ter um animal, voltei a pensar no assunto. Considerei a hipótese de adotar um gato, porque eles são mais higiênicos, independentes e silenciosos. Mas aí pensei melhor e, quer saber?, decidi adotar um cachorro justamente porque cães dão mais trabalho e exigem maior envolvimento. Quem quer aprender a amar não pode ter medo de se envolver – ou pelo menos, tem de aprender a dominar este medo.

No dia 5 de abril deste ano, eu peguei um ônibus e fui até a Vila Cruzeiro buscar uma cachorrinha que eu tinha visto no site www.bichoderua.com.br. Ela ainda não tinha 45 dias de vida, tinha pulgas, carrapatos, vermes e diarréia, e pesava 600 gramas. Louca de medo da aventura em que eu estava me metendo, disse aos donos da ninhada “Vou ficar com ela” no tom mais hesitante possível. Não lembro de ter dito outra coisa na minha vida com menos convicção. Peguei outro ônibus e voltei para minha casa carregando-a dentro de uma caixa de sapatos. Ela era minúscula, e ao caminhar, parecia ser de brinquedo. “Arranjei uma sarna para me coçar!”, eu pensava.

Bom, esta sarna já teve desidratação e teve de ser internada por uma noite para tomar soro. Preço da brincadeira: R$ 175,00, entre internação e remédios. Depois disso ela ainda teve seborréia seca e tosse. Mais consultas veterinárias, mais remédios. Ela consome cerca de R$ 60,00 por mês em ração. Já destruiu uma cadeira, um CD, vários rolos de papel higiênico, algumas canetas, duas havaianas. Eu já vi, na boca dela, nada menos do que meus óculos, meu celular e um parquê que ela arrancou do piso. Já cheguei na cozinha e a vi confortavelmente deitadinha sobre um pano de prato. Mas tudo isso é comédia. O que me irrita mesmo é a quantidade de pêlo que ela solta. Seus pêlos estão em toda parte.

Mas agora não sei mais viver sem ela. Não posso devolvê-la ou abandoná-la. Já a amo. O que ela faz para compensar suas estripulias? Nada! Simplesmente me acostumei a ter uma presença constante em casa, alguém que faz barulho, que tira as coisas do lugar, e que às vezes – bem às vezes – senta-se quietinha próxima aos meus pés, ou põe as patinhas nas minhas pernas, enquanto escrevo algo no computador, pedindo colo. Alguém que fica pertinho da minha cama resmungando porque eu não deixo ela dormir comigo.

Na noite em que ela teve tosse, minha irmã me convidou para sair com ela. Disse que não podia por causa da Diná. Eu não conseguiria me divertir na noite sabendo que ela estaria em casa tossindo como um ganso. Minha irmã se irritou e não compreendeu. Mas eu compreendi todos os que já “sacrificaram” programas de prazer pelos seus cães, filhos ou quaisquer outros objetos de amor. Quando a gente ama, não é custoso deixar de sair. Custoso é o contrário, é ter de sair, quanto tudo o que queremos é estar perto de quem a gente ama e que está passando por um momento difícil. Passei aquela noite em casa, e todas as vezes em que ela acordou com seu acesso de tosse, parecendo uma buzina, me acordei também e fiquei do lado dela, que tossia com as orelhinhas baixas, dirigindo, de vez em quando, um olhar tristinho para mim.

Pronto: o exercício recomendado pela revista havia dado certo! E posso dizer: realmente o amor é uma sensação indescritível que nos faz transbordar de felicidade! E não acredito que seja passível de ser experimentado via animais, filhos e maridos (!) dos outros. “Amar” o afilhado ou o cavalo que você cria no haras distante 400 Km da tua casa não é amar. Amar exige convivência e incomodação. Não me venha falar que você ama o cachorro da sua namorada: não é no seu tapete que ele faz cocô e não é pela sua casa que ele espalha o lixo do banheiro; não me venha falar que ama o filho da sua melhor amiga: não está deixando de ir à academia para ficar mais tempo com ele e para poder pagar seu colégio, e também não é você que a coordenadora pedagógica da escola dele chama quando ele tem baixas notas ou mau comportamento; não me venha falar que ama seu amante: não precisa tolerar a mãe dele e você não está nem aí se ele resolveu torrar o dinheiro que ele juntou para pagar a parte dele na entrada do apartamento. Só se ama quando tem uma boa parte do seu na reta!

Encerro este post com o endereço eletrônico da referida reportagem (leiam, vale a pena!) e com a música All you need is love, dos Beatles, que dispensa comentários!

http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/024/grandes_temas/conteudo_237951.shtml?pagina=0

Saturday, August 23, 2008

Paixão: s.f. do grego pathos, sofrimento





Existe no Orkut uma comunidade chamada Caetano, o que é Vaca profana?, cujo objetivo é discutir as letras mais esdrúxulas da MPB. Vaca profana ganhou o privilégio de aparecer no nome da comunidade por ser mesmo a mais enigmática, mas creio que a segunda canção mais comentada pelos participantes seja Açaí, de Djavan. Para mim, entretanto, não só Açaí é muito clara, como eu concordo plenamente com ela.

Em determinada altura da música, o sujeito lista uma série de características da paixão: puro afã, místico clã de sereia, castelo de areia, ira de tubarão, ilusão, zum de besouro... Concordo com tudo. Afã é desejo, sereias são seres mitológicos, castelo de areia é efêmero, a ira do tubarão é violenta, o zum do besouro é perturbador. E paixão é isso tudo mesmo: uma perturbadora reunião de elementos fantasiosos, frutos de nosso desejo, que dura até o momento em que percebemos o quão patéticos a paixão nos deixou. Em tempo: “paixão” e “patéticos” têm a mesma raiz etimológica, pathos, que significa doença ou sofrimento. Nada mais correto.

Em janeiro deste ano, comentei com um grupo de amigos que não tinha tido boas experiências com a paixão, e que não queria voltar a me apaixonar novamente. Mordi minha língua, me apaixonei, e, curada da enfermidade (ou não, não sei), volto a afirmar: não quero me apaixonar novamente.

Nunca consegui corresponder os homens que se apaixonaram por mim (e olha que eu tentei!) – e nunca consegui fazer com que os homens por quem fui apaixonada me correspondessem (e olha que eu tentei mais ainda!). E entendo o porquê – e por isso lhes dou razão. Pessoas apaixonadas não são atraentes. E digo isso porque, como já disse, já estive na condição de objeto da paixão e não consegui me sentir atraída – a não ser fisicamente, mas isso não conta – por tais homens. Quando estamos apaixonados, nos submetemos a situações quase humilhantes, aceitamos certas coisas em que o natural era que parássemos tudo e disséssemos “Péra lá um pouquinho, o que você pensa que eu sou?” Mas não dizemos. Não é o caso de sufocar a revolta. É pior do que isso: é o caso de não se revoltar, porque quando estamos apaixonados, achamos que tudo o que a pessoa faz é lindo, ou, no mínimo, natural. E ao nos comportarmos assim, estamos afastando a pessoa ao invés de atraí-la.

Amy Winehouse diz em uma música lindíssima que o amor é um jogo para perder. Discordo. O amor sequer é um jogo. A paixão, sim, é um jogo para perder, um jogo em que aquele que se sabe apaixonante adota, ainda que sem percebê-lo, uma postura de quem já está com o jogo ganho.

Não me venham falar que a graça está em tentar manter a pessoa apaixonada: em geral, assim como não foi preciso fazer nada para que a pessoa se apaixonasse, não é preciso fazer nada para que a pessoa mantenha tal estado. Basta você manter a já mencionada postura – o que não é nem um pouco difícil. Conheço casos que já duram anos – sem mentira! – em que o cara – ou a mulher – faz e acontece, e a mulher – ou o cara – continua de quatro por ele.

Isso me remete a uma conversa que tive com um aluno. Perguntou-me ele, certo dia, qual é a minha relação com a língua inglesa. Vendo que eu não entendia a pergunta, ele explicou que, contrariando as expectativas que se tem em relação a músicos, em certos momentos, ele não suporta ouvir música. Então o compreendi perfeitamente e respondi que tenho uma ótima relação com a língua inglesa porque nunca fui apaixonada pelo idioma. Tive, sim, uma paixão avassaladora pela literatura, que nasceu na infância, tão logo fui alfabetizada, e que me levou a ler vorazmente uma infinidade de livros e a fazer quatro anos de faculdade de Letras e dois de mestrado em Teoria da Literatura, e a lecionar por mais dois anos e meio a disciplina de Literatura Brasileira no Ensino Médio, até que este casamento se esgotasse e eu pedisse divórcio. Cansei de ler por obrigação e de obrigar meus alunos adolescentes a lerem. Para mim, leitura é como sexo: é ótimo, mas quem quer fazer à força? De onde eu concluí que não posso trabalhar com aquilo pelo que sou apaixonada, apenas com aquilo de que eu gosto.

E tudo isso me faz lembrar de um outro aluno que, nos seus tenros 17 anos, preencheu o campo "paixões" do seu perfil do Orkut com a singela frase "Fuja de todas elas!"

Sabedoria, de fato, não tem idade.

Saturday, August 09, 2008

Por gosto ninguém vai lá!

Ouvi falar que, perguntado sobre qual é o sentido da vida, Freud respondeu “Amor e trabalho”. Também já ouvi uma música do Ismael Silva – em parceria com mais dois compositores cuja identidade a preguiça me impede de pesquisar na Internet – que diz que “o trabalho não é bom/ninguém pode duvidar/Oi, trabalho só obrigado/por gosto ninguém vai lá”. E agora, quem tem razão, o pai da psicanálise ou o mestre do samba?

Vamos contextualizar: quando disse “trabalho”, talvez Freud não estivesse se referindo ao trabalho tal como é comumente visto no dia-a-dia, mas como qualquer atividade laboriosa cujo sentido é a intenção de proporcionar uma vida melhor para si e para a sua família. Assim, tanto faz se o cara exerce a medicina, profissão nobre e pensante, ou a cata de lixo, trabalho mecânico que não possibilita, diretamente, ao trabalhador evoluir intelectual ou espiritualmente. O que importa é que este médico e este lixeiro tenham claro para si o porquê fazem o que fazem – nem que este porquê seja o investimento em um filho para que ele não precise ser também lixeiro. A perspectiva de ver seu filho traçando uma história melhor do que a sua pode ser a grande motivação para este trabalhador. Da mesma forma, a dondoca que prepara jantares para os colegas do marido executivo também pode tirar daí uma grande realização, pois está, de certa forma, participando de negócios cujos lucros vão beneficiar sua família. Nem todo trabalho é formal e tem carteira assinada, e suspeito que era a esta forma generalizada de trabalho que Freud se referia.

E quando Ismael Silva usou a palavra “trabalho”, a que será que ele se referia? Bom, se ele teve as mesmas origens da maioria dos sambistas – um morro carioca, em que sabemos, a renda é pouca –, ele provavelmente estava se referindo aos trabalhos braçais e mal remunerados que as pessoas deste contexto faziam. Que realização tem uma pessoa que trabalha duro o dia inteiro para ganhar apenas o suficiente para sobreviver, ou seja, que não tem perspectivas de um dia mudar de vida? Uma coisa é ser motoboy para pagar a faculdade sabendo que, daqui quatro ou seis anos, estará trabalhando em outra área com um salário melhor. Outra coisa é ser motoboy com a certeza de que será motoboy para o resto a vida – se a empresa não demiti-lo – e que provavelmente seu filho também será.

Desse modo, concordo com Ismael. E penso que, ultimamente, o trabalho deixou de ser uma fonte de realização para muitas pessoas. Vide o número de pessoas largando suas carreiras para serem servidoras públicas. Há quem diga que estas pessoas são as que fracassaram no mercado, ou que são acomodadas. Discordo. Eu acredito que muitas dessas pessoas apenas se deram conta de que mesmo as profissões universitárias, com o tempo, se tornam mecânicas. Como tudo tem girado em torno do dinheiro, os médicos, que antes queriam salvar vidas, agora querem atender o maior número possível de pacientes por hora, os advogados, que queriam fazer justiça, querem pegar as causas mais lucrativas, e os professores, que queriam ensinar, querem o maior número de horas-aula. Evidentemente, quando se trabalha assim, a qualidade do serviço prestado cai, e a satisfação de trabalhar se esvai, porque percebemos que não estamos fazendo o melhor que sabemos fazer e não atingimos nossos objetivos satisfatoriamente. Outra crítica que ouço ao trabalho público é a falta de desafios. De fato, não deve ser mesmo desafiador. Mas o trabalho não deve ser a única fonte de desafios. Tem tanta coisa aí nos desafiando. Quer desafio maior do que construir uma família hoje em dia?

Frente a isso, acho que o negócio é trabalhar em algo tolerável (porque fazer algo que se detesta é horrível!) e bem remunerado para se tirar realização de verdade de outras atividades, como um hobby, um curso ou até um trabalho voluntário, um desses a que se vai por gosto.

Em tempo: a palavra "trabalho" tem a mesma raiz etimológica de "tortura".