Wednesday, May 30, 2007

Edição revista e ampliada das dores passadas

Dias atrás um amigo comentava que sua atual esposa tem ciúme mortal da mulher com quem ele esteve envolvido pouco antes de conhecê-la. Eu então lhe perguntei se esta mulher também não tinha ciúme em relação à moça com quem ele teve um romance logo após o fim de seu primeiro casamento. Ele, que nem havia percebido a coincidência, confirmou. De fato, aquela que hoje é motivo de ciúme também já esteve na posição de ciumenta. Definitivamente, este amigo vive se metendo nesta mesma situação: uma atual que morre de ciúme da ex. E é por isso que eu sempre digo: a tendência é repetir!

E tendemos a repetir porque o desejo é um filho da mãe! Quanto mais tentamos fugir dele, mais dele nos aproximamos. Damos de cara com ele na cozinha, e saímos em disparada em direção ao quarto, topando em todos os móveis, derrubando o abajur, batendo o dedinho do pé na perna da mesa, mas tão logo entramos no quarto e fechamos a porta, qual não é a nossa surpresa quando o vemos esplendidamente deitado na cama, com sorriso sarcástico e olhar astuto: o desejo! Este bandido!

Não adianta correr em direção oposta à dele. O desejo é onipresente. Está em todos os lugares, aproveitando todas as brechas para se manifestar. Às vezes as manifestações são discretas, mas outras são cheias de espalhafato, nos fazendo perder o controle. É como se ele dissesse: “isso é só para você ver quem é que manda!”. O desejo é um déspota!

Suponhamos que um rapaz tenha uma namorada cuja característica mais marcante seja a chatice. A moça é chata. Vive reclamando que ele é pobre, que seu carro tem design ultrapassado e faz um barulho constrangedor, que ele nunca a leva para jantar em restaurantes bacanas, e que ela já está cansada de enterrar o seu verão em uma casa desconfortável em Noiva do Mar. “Ninguém merece Noiva do Mar”, é o que ela sempre diz. Em suma, chata.

O cara enche o saco e resolve mudar de vida. Larga a moça e jura para si que de agora em diante só vai se envolver com mulheres independentes, que tenham seu próprio dinheiro, que não lhe exijam despesas astronômicas. “Quer jantar em restaurante caro, pague você, eu não tenho dinheiro!” E como quem procura, acha, o cara encontra exatamente uma mulher como esta. É tudo o que ele sempre quis desde que se livrou daquela mala. A atual quer sempre se vestir bem, dirigir bons carros e freqüentar os melhores restaurantes da cidade, mas ela faz isso com seu próprio dinheiro. E o que é melhor: acha isso o máximo. Detestaria depender de homem. Ela enche a boca para dizer que tudo o que ela tem, tem com o suor do próprio rostinho.

Mas com o tempo ela começa a se incomodar com o modo como ele se veste, com seu corte de cabelo e até com alguns de seus deslizes na norma culta da língua portuguesa. E uma mulher incomodada é uma mulher incômoda. Em pouco tempo, ela já está diariamente lhe apontando – ou criando – defeitos. Bingo! O cara está com outra chata. Coincidência? Carma? Destino? Não, desejo! O desejo sempre nos faz ler as mesas histórias, só que em reedições dramaticamente revistas e ampliadas. No caso do personagem em questão, por alguma razão, ele gosta de mulheres que passem o tempo todo lhe fazendo cobranças. Ele se aborrece, é verdade, mas nem se dá conta de que na verdade seu gozo está justamente neste aborrecer-se, nesta angústia de não corresponder às expectativas da amada. O seu desejo é ficar devendo. O desejo, este tirano!

Não adianta se rebelar contra o desejo. A rebeldia só machuca – como quando se corre da cozinha para o quarto. Debater-se contra o desejo é inútil – sem contar que resulta em cenas patéticas. Mas podemos negociar com o desejo. É possível deixar de ser seu escravo. Mas essa negociação é longa e dolorosa – o desejo é um osso duro de roer! Ele exige muita paciência – e diplomacia. Mas o processo de dominá-lo também pode ser fascinante. Depois de tanto se alfinetar com ele, não há nada melhor do que mostrar-lhe quem, afinal, é que manda!