Tuesday, January 29, 2008

Sobre dias de sol e ameaças de chuva...


Eu curtindo um dia de sol sem me preocupar com os dias vindouros de nuvens carregadas


Lembram da Soninha Francine, a VJ da MTV que foi demitida da TVE por admitir no ar que fumava maconha? Pois é, ela escreve uma coluna para a revista Vida Simples, que é, por sinal, uma revista muito interessante. Um dia, ela escreveu sobre curtir os dias de sol sem se preocupar com os dias nublados que estavam por vir. Era uma metáfora, óbvio. Na época, Soninha enfrentava o tratamento da filha de 7 anos, que sofria de leucemia. Evidentemente ela estava se referindo ao fato de aproveitar os dias com sua pimpolha sem se preocupar se no dia seguinte a menina estaria internada num hospital ou... bem, não vamos falar no pior.

Terminando de ler a coluna, olhei para a foto da Soninha como se olha para um totem! Francamente, não sei se eu teria forças para exibir aquele sorriso e a serenidade daquelas palavras se tivesse uma garotinha de 7 anos com leucemia!

O caso da Soninha era grave. Mas o de muitas outras pessoas não é. Nem por isso elas deixam de se preocupar com a tempestade em dias esplendorosamente ensolarados!

Um exemplo: um casal em fase de aproximação. Eu sei que as dores do passado nos deixam calejados, mas para que se preocupar com a certeza – que pode não se confirmar – de que toda a magia desta fase inicial vai se acabar? Aproveite-se a magia enquanto ela existe e vê-se o que se pode fazer quando ela acabar – se é que ela vai acabar, porque ela pode simplesmente passar por uma transformação, o que não é sinônimo de fim.

Isso me lembra a última cena do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Quando Joel demonstra querer ficar com a Clementine, ela começa a fazer uma lista de seus defeitos. Joel apenas olha para ela com uma expressão que parece dizer “Ok, eu te quero mesmo assim!”

Eu entendo a Clementine. Alguns relacionamentos nos deixam mesmo numa situação muito delicada: ou vivemos para corresponder às expectativas do parceiro, ou o decepcionamos – e, que desforo!, ainda temos de dar satisfações por não sermos aquilo que ele idealizou de nós!

Mas eu também entendo o Joel. Qualquer pessoa minimamente saudável sabe – e se conforma com isso – que todos têm defeitos. E às vezes, surpresa!, é dos defeitos mesmo que a gente gosta! Ou vocês acham que Joel não adora o jeito doidinho da Clementine?

Um dia, um dos melhores professores que eu tive na minha vida, o professor Jaime Ginzburg, de Literatura Brasileira, na faculdade de Letras da UFSM, disse que o amor é uma aceitação mútua de precariedades: “Você aceita a minha precariedade e eu aceito a sua”. Eu, que tinha apenas 19 ou 20 anos, sempre tinha visto o amor como uma admiração mútua de qualidades. E não mudei de opinião, apenas acrescentei a ela a perspectiva do professor.

Mas o fato é que prefiro admirar as qualidades sem ficar me preocupando com a precariedade. Isso não é viver de um modo ingênuo. Não ignoro os defeitos. Mas só lhes dou atenção quando eles pedem!

Ainda sobre a felicidade...

Escrevendo ontem sobre o hábito de algumas pessoas de postergarem a felicidade, não pude deixar de lembrar de dois poemas. O primeiro é o excelente Adiamento, de Álvaro de Campos, o heterônimo mais melancólico de Fernando Pessoa:

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...

Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

O sujeito do poema parece estar convicto de que realmente tem condições de conquistar o mundo – e não duvido de que as tenha mesmo –, mas deixa para fazê-lo no futuro porque... bem, porque, como já escrevi no post anterior, conquistar não tem graça. Almejar a conquista é que tem. Ou talvez o sujeito seja apenas preguiçoso. Deixa para amanhã porque... acredita que o futuro lhe pertence. Confia na vida e não conta com a morte. Eis o risco de deixar as coisas para amanhã. Nem sempre o porvir de fato vem.

Julgar que “depois de amanhã é que está bem o espetáculo” é raciocínio de quem vive de imagem, de quem quer agradar aos outros, de quem pensa que precisa provar algo para alguém. Por que não fazer o espetáculo hoje? Porque ainda não está bem ensaiado? Porque ainda faltam alguns detalhes? E daí? Quem se importa? Você? Tem certeza que é mesmo à sua auto-exigência que quer atender?

Aliás, para que (ou para quem) fazer espetáculo, hein? Tive oportunidade de participar de um tempos atrás e posso assegurar que os preparativos & bastidores foram muito mais interessantes do que o espetáculo em si. E é melhor que tenha sido assim – e seria bom que fosse assim sempre, tanto no sentido real quanto (e principalmente) no metafórico –, porque em tudo na vida o processo é mais longo do que o fim. No caso do espetáculo real, só fiquei 3 minutos e 54 segundos no palco, veja só!...


Outro poema que me veio à mente é o Eterna mágoa, de Augusto dos Anjos:

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo Inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Em suma, se você acha que vai ser feliz quando atingir este ou aquele objetivo, esqueça! A pessoa que é infeliz não o é porque lhe falta algo, e nem mudará sua condição quando suprir esta carência. A felicidade – assim como a infelicidade – jamais virá de uma circunstância externa. O problema – e, eureka!, a solução – estão dentro da gente, e em nenhum outro lugar! (parece papo piegas de livro de auto-ajuda, mas a culpa é destes livros que tornam diversas verdades piegas!)

Não poderia deixar de terminar esta seção sem aqueles versos da música O que vem a ser felicidade?, de Orlando Morais (sim, mais conhecido como o-marido-da-glória-pires, mas que tem algumas composições muito legais, sim, senhor!):

Este sentimento poderoso
é um estado, é capital, é um país,
e o que há de mais maravilhoso é descobrir
que o tempo inteiro estava a um palmo do nariz...

;)