Sunday, July 15, 2007

Os caprichos da inspiração

Embora o escasso número de comentários desminta esta informação, este blog é visitado regularmente por um seleto grupo de leitores que costumam reclamar da pouca freqüência com que o atualizo. De fato, não sou blogueira assídua. Tenho assunto de sobra para escrever, mas só isso – acreditava eu – não basta. É preciso inspiração para colocar tantos temas num discurso. Mas mudei de idéia. A inspiração é aquele tipo de amigo que sempre diz que “qualquer dia desses vai aparecer para tomarmos um café”. “Qualquer dia desses” é um dia que nunca chega. Ou quase nunca. Às vezes, o amigo até aparece, mas sempre em horas que ou são inoportunas, ou são breves demais para que possamos lhe dar a merecida atenção. Resolvi que, de agora em diante, vou tomar o café sozinha. Cansei de esperar. E é aí que surge a surpresa.

Quando sento ao computador e começo a escrever, assim, desacompanhada mesmo, sem a presença da amiga tratante, eis que ela surge de mansinho, e aos poucos, vai tomando conta do espaço. Quando a convidamos, ela sempre arranja uma desculpa para sua ausência, ou pior, diz que vai, mas nos deixa esperando. Porém, quando percebe que organizaram uma festa e a deixaram de fora, aí, sim, a inspiração aparece toda prosa, sem o menor constrangimento pela condição de penetra. A inspiração tem os seus caprichos.

Começo a escrever sobre qualquer tema, desgostosa com o estilo insípido, até que a madame aparece e começa a me soprar palavras e expressões que fazia tempo eu não empregava, e à medida que meus dedos vão digitando tais termos, estes vão me trazendo novas idéias não só referentes ao vocabulário, mas ao próprio tema. Em outras palavras, eu tenho um assunto, começo a escrever sobre ele sem saber exatamente que palavras utilizar, e, quando estas surgem, me levam a pensar sob outras perspectivas acerca do determinado assunto.

Confuso? Posso dar um exemplo: me propus agora a escrever sobre a inspiração, mas conforme fui escrevendo os parágrafos acima, já me foi ocorrendo a idéia de que, na verdade, não podemos esperar pela inspiração em nenhum aspecto da vida. Tudo o que precisamos é começar e nos envolver. Vivi isso este ano com uma turma de oitava série para a qual ensino Língua Portuguesa. A turma era danadíssima. Se eu deixasse, os alunos se pendurariam no ventilador do teto. Contudo, não podia desistir da turma – eu não me permitiria tomar uma atitude tão infantil quanto às deles. Fui propondo alguns ajustes, entre os quais apresentar atividades mais dinâmicas, em troca de eles se comprometerem mais com os estudos. Está dando certo. E hoje, acreditem, eu gosto daquelas pestes, a ponto de sentir saudade quando algum feriado cai justamente nos dias em que lhes dou aula. Não sei se eles estão tirando alguma lição comigo além da de ocorrência de crase, mas eu aprendi de modo mais maduro o fato de que, realmente, o amor é uma construção. Não nasce pronto. Exige empenho e paciência. Como se fosse um ser vivo, desenvolve-se no dia-a-dia e modifica-se ao longo do tempo. Às vezes não é mais o que já foi um dia, o que não quer dizer que tenha piorado.

Isso me faz lembrar um diálogo que tive com algumas alunas de outra turma, esta do segundo ano do ensino médio. Uma delas disse que odiou os primeiros capítulos de Memórias póstumas de Brás Cubas, mas que depois começou a gostar. Eu aproveitei a deixa para dizer a toda turma: “Levem isso para a vida de vocês: tudo o que é realmente bom, a gente nunca gosta no começo. Amores à primeira vista, daqueles que nos fazem sentir o coração acelerar e as pernas ficarem bambas, nunca fazem aniversário. Só vão para frente aqueles relacionamentos em que a gente investe só para ver qual é que é”. Todos concordaram.

Utilizei um exemplo próximo da realidade deles, mas poderia usar outros tantos. Eu custei a gostar de cerveja, de vinho seco, de Beatles e de fazer musculação. E os melhores livros que li na minha vida não me cativaram desde a primeira página. Precisamos desconfiar do que nos conquista logo de cara. É como um homem ou uma mulher sedutores: sim, te deixam de quatro no ato, mas não têm consistência para sustentar um relacionamento. Vejam a música pop: é uma delícia, gruda no ouvido. E é uma droga. Um amor de verão sem resistência suficiente para subir a serra.

Mas vim aqui para falar de inspiração, e acabei falando de outras coisas. É que a inspiração é assim mesmo: ela nunca gosta daquilo para o que a convidamos. Entretanto, basta que nos engajemos no processo para ela começar a se interessar – e, assim, a ajudar a tornar tudo mais interessante!