Saturday, October 25, 2008

A pessoa certa?

Para quem não sabe, eu canto – ou finjo que – em uma banda. Recentemente, decidimos tocar duas canções de Marina Lima, sobre quem falei em um post aqui mesmo no dia 16 de janeiro. Uma delas é Virgem, que não tenho em CD. Por isso fui procurá-la no YouTube – encontrei, mas com péssima qualidade de som. Mal conhecia esta música (ela não está em nenhuma das duas coletâneas que eu tenho da cantora) e achei a letra – além da própria música – muito interessante. Ela faz uma série de referências a elementos do Rio de Janeiro para dizer que eles não dão a mínima para uma pessoa com quem o sujeito teve uma relação amorosa. Os primeiros versos são de matar: “As coisas não precisam de você/quem disse que eu tinha que precisar?”

É uma bela reflexão sobre a tendência de algumas pessoas de se apaixonarem e praticamente cismarem que aquela é “a pessoa certa”, e que ninguém mais no mundo vai ser tão o seu número como ela. Bobagem! Tempos atrás um amigo me disse que às vezes podemos estar ao lado da pessoa certa e não nos darmos conta. Eu concordo não só com isso, mas também com o contrário: às vezes podemos jurar que aquela pessoa é a certa, e ela ser um grande equívoco! (O problema é, depois de se desvencilhar desta paixão, cair em outra semelhante, pois, como diz a música, “o Farol da Ilha procura agora outros olhos... e armadilhas!”. É, a tendência é repetir, e sobre isso eu também já falei aqui no blog.)

Mas o maior equívoco de todos é o de acreditar que a tal pessoa certa existe, assim, já na condição de “certa”. Conheço pessoas – homens e mulheres – de 50 anos que dizem nunca terem casado e tido filhos não porque não quiseram fazê-lo, mas porque “não aconteceu” ou não encontraram “a pessoa certa”. Românticas todas elas! Não existem pessoas feitas sob medida pra gente – e nem nós somos “a pessoa certa” para alguém! Todas precisam de alguns ajustes, e para qualquer uma delas nós também temos que nos ajustar. Pode acontecer de entre duas pessoas haver menos arestas para aparar. Mas também pode ser que uma destas pessoas não esteja disposta a fazer estes pequenos acertos, ao passo que outras, com muitas e muito maiores diferenças, podem topar superá-las. Quem é a pessoa mais “certa” neste caso?

E quer me parecer que é justamente o processo de “ajuste” que dá graça à relação. Pense nos contos de fada – e nas comédias românticas – que sempre terminam no “e foram felizes para sempre...” Passamos horas entretidos com a série de obstáculos que o príncipe tem de superar para conquistar a princesa, e a história acaba exatamente quando o casal consegue ficar junto e ser feliz. Mas, afinal, o que é ser feliz para sempre? O que aconteceu com este casal depois da última página? Por que o autor não conta o resto? Por que a felicidade não é digna de ser contada?

Ora, porque esta felicidade ou é enfadonha ou é fajuta. Ou o príncipe e a princesa não precisaram superar nenhum outro obstáculo para se manterem juntos – história que não teria graça nenhuma, o que põe em dúvida se eles foram mesmo felizes para sempre – ou eles tiveram, sim, que passar por uma série de dificuldades, o que contraria o ideal de felicidade que consiste em ser tudo divino e maravilhoso sem esforço nenhum. Se houvesse, vá lá, Cinderela – Parte II, a gente teria ficado sabendo que o príncipe não era tão encantado, e que a Cinderela nunca deixou de levar consigo um pouquinho de gata borralheira.

O que faz um conto de fadas – e uma relação – ser interessante são os desafios. É a transposição destes que emocionam. E quando eles forem instransponíveis, paciência. Nunca esqueçamos que as coisas não precisam “daquela pessoa” – e tampouco de nós.