Saturday, October 25, 2008

A pessoa certa?

Para quem não sabe, eu canto – ou finjo que – em uma banda. Recentemente, decidimos tocar duas canções de Marina Lima, sobre quem falei em um post aqui mesmo no dia 16 de janeiro. Uma delas é Virgem, que não tenho em CD. Por isso fui procurá-la no YouTube – encontrei, mas com péssima qualidade de som. Mal conhecia esta música (ela não está em nenhuma das duas coletâneas que eu tenho da cantora) e achei a letra – além da própria música – muito interessante. Ela faz uma série de referências a elementos do Rio de Janeiro para dizer que eles não dão a mínima para uma pessoa com quem o sujeito teve uma relação amorosa. Os primeiros versos são de matar: “As coisas não precisam de você/quem disse que eu tinha que precisar?”

É uma bela reflexão sobre a tendência de algumas pessoas de se apaixonarem e praticamente cismarem que aquela é “a pessoa certa”, e que ninguém mais no mundo vai ser tão o seu número como ela. Bobagem! Tempos atrás um amigo me disse que às vezes podemos estar ao lado da pessoa certa e não nos darmos conta. Eu concordo não só com isso, mas também com o contrário: às vezes podemos jurar que aquela pessoa é a certa, e ela ser um grande equívoco! (O problema é, depois de se desvencilhar desta paixão, cair em outra semelhante, pois, como diz a música, “o Farol da Ilha procura agora outros olhos... e armadilhas!”. É, a tendência é repetir, e sobre isso eu também já falei aqui no blog.)

Mas o maior equívoco de todos é o de acreditar que a tal pessoa certa existe, assim, já na condição de “certa”. Conheço pessoas – homens e mulheres – de 50 anos que dizem nunca terem casado e tido filhos não porque não quiseram fazê-lo, mas porque “não aconteceu” ou não encontraram “a pessoa certa”. Românticas todas elas! Não existem pessoas feitas sob medida pra gente – e nem nós somos “a pessoa certa” para alguém! Todas precisam de alguns ajustes, e para qualquer uma delas nós também temos que nos ajustar. Pode acontecer de entre duas pessoas haver menos arestas para aparar. Mas também pode ser que uma destas pessoas não esteja disposta a fazer estes pequenos acertos, ao passo que outras, com muitas e muito maiores diferenças, podem topar superá-las. Quem é a pessoa mais “certa” neste caso?

E quer me parecer que é justamente o processo de “ajuste” que dá graça à relação. Pense nos contos de fada – e nas comédias românticas – que sempre terminam no “e foram felizes para sempre...” Passamos horas entretidos com a série de obstáculos que o príncipe tem de superar para conquistar a princesa, e a história acaba exatamente quando o casal consegue ficar junto e ser feliz. Mas, afinal, o que é ser feliz para sempre? O que aconteceu com este casal depois da última página? Por que o autor não conta o resto? Por que a felicidade não é digna de ser contada?

Ora, porque esta felicidade ou é enfadonha ou é fajuta. Ou o príncipe e a princesa não precisaram superar nenhum outro obstáculo para se manterem juntos – história que não teria graça nenhuma, o que põe em dúvida se eles foram mesmo felizes para sempre – ou eles tiveram, sim, que passar por uma série de dificuldades, o que contraria o ideal de felicidade que consiste em ser tudo divino e maravilhoso sem esforço nenhum. Se houvesse, vá lá, Cinderela – Parte II, a gente teria ficado sabendo que o príncipe não era tão encantado, e que a Cinderela nunca deixou de levar consigo um pouquinho de gata borralheira.

O que faz um conto de fadas – e uma relação – ser interessante são os desafios. É a transposição destes que emocionam. E quando eles forem instransponíveis, paciência. Nunca esqueçamos que as coisas não precisam “daquela pessoa” – e tampouco de nós.

Sunday, August 24, 2008

ALL YOU NEED IS LOVE!

Diná: love is all you need!

Já que falei de paixão no post anterior, venho agora falar de amor. Todos nós já assistimos a uma porção de filmes sobre o amor, já lemos poemas e histórias de amor, já nos encantamos com canções como Eu sei que vou te amar e outras tantas. Mas o que de melhor eu li sobre o amor, algo que repercutiu de fato na minha vida, foi, pasmem, uma reportagem da revista Vida Simples.

A reportagem é fantástica em vários aspectos. Em primeiro lugar, ela diferencia amor de paixão. Em segundo, joga um balde de água fria em muita gente que pensa que já amou ou que pensa que amor está dentro de si, adormecido, esperando a pessoa certa para ser despertado. Não, segundo os especialistas referidos pela reportagem, o amor é fruto de prática e exercício, esforço e paciência. E sua recompensa não é o amor recíproco do objeto do amor, mas o próprio amor, um sentimento que nos transborda de felicidade. Para finalizar, a revista recomenda que comecemos o treino do amor por algo pequeno, como cuidar de uma planta ou animalzinho. Ah, já ia esquecendo, a reportagem diz que o amor só surge de uma rotina em que cuidamos de algo!

Li esta reportagem em 2005, e ela nunca me saiu da cabeça. Concluí, ao lê-la, que eu nunca tinha amado e que estava disposta a fazer os tais exercícios. Como na época, por razões que não vem ao caso explicar, eu não podia ter um animal, resolvi comprar algumas flores. Coitadas, morreram todas. Mas, professora que sou, sabia que não se aprende uma coisa de uma hora para outra e que o erro faz parte do processo de aprendizagem. Eu precisava, na verdade, de um desafio maior, algo que fizesse reivindicações.

Este ano, diante da disponibilidade de ter um animal, voltei a pensar no assunto. Considerei a hipótese de adotar um gato, porque eles são mais higiênicos, independentes e silenciosos. Mas aí pensei melhor e, quer saber?, decidi adotar um cachorro justamente porque cães dão mais trabalho e exigem maior envolvimento. Quem quer aprender a amar não pode ter medo de se envolver – ou pelo menos, tem de aprender a dominar este medo.

No dia 5 de abril deste ano, eu peguei um ônibus e fui até a Vila Cruzeiro buscar uma cachorrinha que eu tinha visto no site www.bichoderua.com.br. Ela ainda não tinha 45 dias de vida, tinha pulgas, carrapatos, vermes e diarréia, e pesava 600 gramas. Louca de medo da aventura em que eu estava me metendo, disse aos donos da ninhada “Vou ficar com ela” no tom mais hesitante possível. Não lembro de ter dito outra coisa na minha vida com menos convicção. Peguei outro ônibus e voltei para minha casa carregando-a dentro de uma caixa de sapatos. Ela era minúscula, e ao caminhar, parecia ser de brinquedo. “Arranjei uma sarna para me coçar!”, eu pensava.

Bom, esta sarna já teve desidratação e teve de ser internada por uma noite para tomar soro. Preço da brincadeira: R$ 175,00, entre internação e remédios. Depois disso ela ainda teve seborréia seca e tosse. Mais consultas veterinárias, mais remédios. Ela consome cerca de R$ 60,00 por mês em ração. Já destruiu uma cadeira, um CD, vários rolos de papel higiênico, algumas canetas, duas havaianas. Eu já vi, na boca dela, nada menos do que meus óculos, meu celular e um parquê que ela arrancou do piso. Já cheguei na cozinha e a vi confortavelmente deitadinha sobre um pano de prato. Mas tudo isso é comédia. O que me irrita mesmo é a quantidade de pêlo que ela solta. Seus pêlos estão em toda parte.

Mas agora não sei mais viver sem ela. Não posso devolvê-la ou abandoná-la. Já a amo. O que ela faz para compensar suas estripulias? Nada! Simplesmente me acostumei a ter uma presença constante em casa, alguém que faz barulho, que tira as coisas do lugar, e que às vezes – bem às vezes – senta-se quietinha próxima aos meus pés, ou põe as patinhas nas minhas pernas, enquanto escrevo algo no computador, pedindo colo. Alguém que fica pertinho da minha cama resmungando porque eu não deixo ela dormir comigo.

Na noite em que ela teve tosse, minha irmã me convidou para sair com ela. Disse que não podia por causa da Diná. Eu não conseguiria me divertir na noite sabendo que ela estaria em casa tossindo como um ganso. Minha irmã se irritou e não compreendeu. Mas eu compreendi todos os que já “sacrificaram” programas de prazer pelos seus cães, filhos ou quaisquer outros objetos de amor. Quando a gente ama, não é custoso deixar de sair. Custoso é o contrário, é ter de sair, quanto tudo o que queremos é estar perto de quem a gente ama e que está passando por um momento difícil. Passei aquela noite em casa, e todas as vezes em que ela acordou com seu acesso de tosse, parecendo uma buzina, me acordei também e fiquei do lado dela, que tossia com as orelhinhas baixas, dirigindo, de vez em quando, um olhar tristinho para mim.

Pronto: o exercício recomendado pela revista havia dado certo! E posso dizer: realmente o amor é uma sensação indescritível que nos faz transbordar de felicidade! E não acredito que seja passível de ser experimentado via animais, filhos e maridos (!) dos outros. “Amar” o afilhado ou o cavalo que você cria no haras distante 400 Km da tua casa não é amar. Amar exige convivência e incomodação. Não me venha falar que você ama o cachorro da sua namorada: não é no seu tapete que ele faz cocô e não é pela sua casa que ele espalha o lixo do banheiro; não me venha falar que ama o filho da sua melhor amiga: não está deixando de ir à academia para ficar mais tempo com ele e para poder pagar seu colégio, e também não é você que a coordenadora pedagógica da escola dele chama quando ele tem baixas notas ou mau comportamento; não me venha falar que ama seu amante: não precisa tolerar a mãe dele e você não está nem aí se ele resolveu torrar o dinheiro que ele juntou para pagar a parte dele na entrada do apartamento. Só se ama quando tem uma boa parte do seu na reta!

Encerro este post com o endereço eletrônico da referida reportagem (leiam, vale a pena!) e com a música All you need is love, dos Beatles, que dispensa comentários!

http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/024/grandes_temas/conteudo_237951.shtml?pagina=0

Saturday, August 23, 2008

Paixão: s.f. do grego pathos, sofrimento





Existe no Orkut uma comunidade chamada Caetano, o que é Vaca profana?, cujo objetivo é discutir as letras mais esdrúxulas da MPB. Vaca profana ganhou o privilégio de aparecer no nome da comunidade por ser mesmo a mais enigmática, mas creio que a segunda canção mais comentada pelos participantes seja Açaí, de Djavan. Para mim, entretanto, não só Açaí é muito clara, como eu concordo plenamente com ela.

Em determinada altura da música, o sujeito lista uma série de características da paixão: puro afã, místico clã de sereia, castelo de areia, ira de tubarão, ilusão, zum de besouro... Concordo com tudo. Afã é desejo, sereias são seres mitológicos, castelo de areia é efêmero, a ira do tubarão é violenta, o zum do besouro é perturbador. E paixão é isso tudo mesmo: uma perturbadora reunião de elementos fantasiosos, frutos de nosso desejo, que dura até o momento em que percebemos o quão patéticos a paixão nos deixou. Em tempo: “paixão” e “patéticos” têm a mesma raiz etimológica, pathos, que significa doença ou sofrimento. Nada mais correto.

Em janeiro deste ano, comentei com um grupo de amigos que não tinha tido boas experiências com a paixão, e que não queria voltar a me apaixonar novamente. Mordi minha língua, me apaixonei, e, curada da enfermidade (ou não, não sei), volto a afirmar: não quero me apaixonar novamente.

Nunca consegui corresponder os homens que se apaixonaram por mim (e olha que eu tentei!) – e nunca consegui fazer com que os homens por quem fui apaixonada me correspondessem (e olha que eu tentei mais ainda!). E entendo o porquê – e por isso lhes dou razão. Pessoas apaixonadas não são atraentes. E digo isso porque, como já disse, já estive na condição de objeto da paixão e não consegui me sentir atraída – a não ser fisicamente, mas isso não conta – por tais homens. Quando estamos apaixonados, nos submetemos a situações quase humilhantes, aceitamos certas coisas em que o natural era que parássemos tudo e disséssemos “Péra lá um pouquinho, o que você pensa que eu sou?” Mas não dizemos. Não é o caso de sufocar a revolta. É pior do que isso: é o caso de não se revoltar, porque quando estamos apaixonados, achamos que tudo o que a pessoa faz é lindo, ou, no mínimo, natural. E ao nos comportarmos assim, estamos afastando a pessoa ao invés de atraí-la.

Amy Winehouse diz em uma música lindíssima que o amor é um jogo para perder. Discordo. O amor sequer é um jogo. A paixão, sim, é um jogo para perder, um jogo em que aquele que se sabe apaixonante adota, ainda que sem percebê-lo, uma postura de quem já está com o jogo ganho.

Não me venham falar que a graça está em tentar manter a pessoa apaixonada: em geral, assim como não foi preciso fazer nada para que a pessoa se apaixonasse, não é preciso fazer nada para que a pessoa mantenha tal estado. Basta você manter a já mencionada postura – o que não é nem um pouco difícil. Conheço casos que já duram anos – sem mentira! – em que o cara – ou a mulher – faz e acontece, e a mulher – ou o cara – continua de quatro por ele.

Isso me remete a uma conversa que tive com um aluno. Perguntou-me ele, certo dia, qual é a minha relação com a língua inglesa. Vendo que eu não entendia a pergunta, ele explicou que, contrariando as expectativas que se tem em relação a músicos, em certos momentos, ele não suporta ouvir música. Então o compreendi perfeitamente e respondi que tenho uma ótima relação com a língua inglesa porque nunca fui apaixonada pelo idioma. Tive, sim, uma paixão avassaladora pela literatura, que nasceu na infância, tão logo fui alfabetizada, e que me levou a ler vorazmente uma infinidade de livros e a fazer quatro anos de faculdade de Letras e dois de mestrado em Teoria da Literatura, e a lecionar por mais dois anos e meio a disciplina de Literatura Brasileira no Ensino Médio, até que este casamento se esgotasse e eu pedisse divórcio. Cansei de ler por obrigação e de obrigar meus alunos adolescentes a lerem. Para mim, leitura é como sexo: é ótimo, mas quem quer fazer à força? De onde eu concluí que não posso trabalhar com aquilo pelo que sou apaixonada, apenas com aquilo de que eu gosto.

E tudo isso me faz lembrar de um outro aluno que, nos seus tenros 17 anos, preencheu o campo "paixões" do seu perfil do Orkut com a singela frase "Fuja de todas elas!"

Sabedoria, de fato, não tem idade.

Saturday, August 09, 2008

Por gosto ninguém vai lá!

Ouvi falar que, perguntado sobre qual é o sentido da vida, Freud respondeu “Amor e trabalho”. Também já ouvi uma música do Ismael Silva – em parceria com mais dois compositores cuja identidade a preguiça me impede de pesquisar na Internet – que diz que “o trabalho não é bom/ninguém pode duvidar/Oi, trabalho só obrigado/por gosto ninguém vai lá”. E agora, quem tem razão, o pai da psicanálise ou o mestre do samba?

Vamos contextualizar: quando disse “trabalho”, talvez Freud não estivesse se referindo ao trabalho tal como é comumente visto no dia-a-dia, mas como qualquer atividade laboriosa cujo sentido é a intenção de proporcionar uma vida melhor para si e para a sua família. Assim, tanto faz se o cara exerce a medicina, profissão nobre e pensante, ou a cata de lixo, trabalho mecânico que não possibilita, diretamente, ao trabalhador evoluir intelectual ou espiritualmente. O que importa é que este médico e este lixeiro tenham claro para si o porquê fazem o que fazem – nem que este porquê seja o investimento em um filho para que ele não precise ser também lixeiro. A perspectiva de ver seu filho traçando uma história melhor do que a sua pode ser a grande motivação para este trabalhador. Da mesma forma, a dondoca que prepara jantares para os colegas do marido executivo também pode tirar daí uma grande realização, pois está, de certa forma, participando de negócios cujos lucros vão beneficiar sua família. Nem todo trabalho é formal e tem carteira assinada, e suspeito que era a esta forma generalizada de trabalho que Freud se referia.

E quando Ismael Silva usou a palavra “trabalho”, a que será que ele se referia? Bom, se ele teve as mesmas origens da maioria dos sambistas – um morro carioca, em que sabemos, a renda é pouca –, ele provavelmente estava se referindo aos trabalhos braçais e mal remunerados que as pessoas deste contexto faziam. Que realização tem uma pessoa que trabalha duro o dia inteiro para ganhar apenas o suficiente para sobreviver, ou seja, que não tem perspectivas de um dia mudar de vida? Uma coisa é ser motoboy para pagar a faculdade sabendo que, daqui quatro ou seis anos, estará trabalhando em outra área com um salário melhor. Outra coisa é ser motoboy com a certeza de que será motoboy para o resto a vida – se a empresa não demiti-lo – e que provavelmente seu filho também será.

Desse modo, concordo com Ismael. E penso que, ultimamente, o trabalho deixou de ser uma fonte de realização para muitas pessoas. Vide o número de pessoas largando suas carreiras para serem servidoras públicas. Há quem diga que estas pessoas são as que fracassaram no mercado, ou que são acomodadas. Discordo. Eu acredito que muitas dessas pessoas apenas se deram conta de que mesmo as profissões universitárias, com o tempo, se tornam mecânicas. Como tudo tem girado em torno do dinheiro, os médicos, que antes queriam salvar vidas, agora querem atender o maior número possível de pacientes por hora, os advogados, que queriam fazer justiça, querem pegar as causas mais lucrativas, e os professores, que queriam ensinar, querem o maior número de horas-aula. Evidentemente, quando se trabalha assim, a qualidade do serviço prestado cai, e a satisfação de trabalhar se esvai, porque percebemos que não estamos fazendo o melhor que sabemos fazer e não atingimos nossos objetivos satisfatoriamente. Outra crítica que ouço ao trabalho público é a falta de desafios. De fato, não deve ser mesmo desafiador. Mas o trabalho não deve ser a única fonte de desafios. Tem tanta coisa aí nos desafiando. Quer desafio maior do que construir uma família hoje em dia?

Frente a isso, acho que o negócio é trabalhar em algo tolerável (porque fazer algo que se detesta é horrível!) e bem remunerado para se tirar realização de verdade de outras atividades, como um hobby, um curso ou até um trabalho voluntário, um desses a que se vai por gosto.

Em tempo: a palavra "trabalho" tem a mesma raiz etimológica de "tortura".

Saturday, June 21, 2008

Sobre as restrições do Estado e da vida

Acabo de ler na Zero Hora – tenho comprado com alguma freqüência, já que minha cachorrinha precisa de um banheiro, hehehe – sobre a nova lei de tolerância zero em relação a motoristas que dirigem sob o efeito do álcool. Segundo esta lei, não poderá haver um mísero resquício de álcool no sangue do condutor do veículo, ou ele pagará multa de R$ 955,00 e perderá a carteira de habilitação por um ano.

Isso me remeteu a um fato que vivi na última quinta-feira: estava atravessando a Oswaldo Aranha quando, no canteiro que divide a avenida, deparei-me com uma grade de proteção. Pensei: “Ué, e agora, como vou atravessar?”. Olhei para os lados e vi que mais adiante havia uma abertura que desembocava exatamente na faixa de segurança. Fui até lá, atravessei em segurança enquanto os carros esperavam o sinal abrir e cheguei à calçada ilesa e refletindo sobre o assunto.

Achei um saco não poder atravessar a avenida do ponto em que me encontrava, mas sei que o Estado pôs aquela grade ali para me proteger. Se não houvesse grade, eu e mais uma porção de gente atravessaríamos fora da faixa, confiantes na própria capacidade de avaliar velocidade, tempo e distância para atravessarmos sem nos machucar – e sem amassar o carro e atrasar o compromisso de alguém. Ora, nem eu nem um monte de gente somos retardados a ponto de não sabermos fazer tal avaliação. Mas acidentes acontecem mesmo, e é melhor evitá-los.

A questão é: por que o Estado tem de tomar este tipo de medida para que o cidadão não se estrepe todo? Seria melhor confiar: “não é necessário colocar grade de proteção, pois o cidadão sabe que é melhor para si atravessar na faixa de pedestres”. Acontece que o cidadão não pensa assim (ou pensa, mas não age), do mesmo modo como não pensa que é mais seguro para si e para os outros dirigir sóbrio. E tome restrições do Estado! Do que resulta uma pergunta tostines na minha cabeça: o cidadão é infantil por que o Estado o trata como criança ou o Estado trata o cidadão como criança porque ele é infantil?

Outra questão é: por que o Estado não educa ao invés de usar paliativos como barras e leis? Não seria melhor conscientizar as pessoas do que é mais seguro? Seria, mas campanhas de conscientização não funcionam – e custam dinheiro. Além do mais, educação é um projeto de resultados a longo prazo, uma lavoura de cuja colheita, muitas vezes, quem semeou não desfruta. Portanto, até que as campanhas começassem a fazer efeito – se fizessem –, muita gente ainda morreria na contramão atrapalhando o tráfego.

Uma terceira questão é: se o pedestre não tem amor pela sua vida e não se cuida, por que o Estado não deixa que ele morra de uma vez? Bom, primeiro, porque pode ser que ele não morra. Pode ser que ele só se quebre todo, e será um hospital público que vai arcar com seu tratamento. Sai mais barato pôr grade de proteção. Sem contar que o pedestre deve ter família – uma família que não lhe deu subsídios para que construísse amor próprio, é verdade, mas ainda assim, uma família que sentirá sua falta. Segundo, porque morrendo o pedestre ou não, o pobre do motorista que vinha dirigindo direitinho provavelmente vai se incomodar com isso. Eis a complexidade da vida em sociedade: quem quer se ferrar, não se ferra sozinho. A pessoa pode levar consigo quem não tinha nada a ver com a história.

E eis o ponto em que eu queria chegar: reconheço e louvo as boas intenções do Estado, mas considero sua luta inglória, porque no conflito indivíduo versus coletividade, vence o indivíduo. De nada adiantam campanhas contra a direção embriagada e o uso de drogas ou pelo sexo seguro. Estas campanhas apontam os malefícios destas práticas perigosas sem levar em conta que o problema é que as pessoas que as praticam querem mesmo é se prejudicar. Ou porque são oriundas de lares desestruturados, ou porque não têm auto-estima nenhuma, sei lá! A única coisa que eu sei é que se esse povo quisesse se preservar, não estaria dirigindo alcoolizado, transando sem camisinha ou se drogando. Apontar em campanhas os prejuízos que isso causa às demais pessoas, então, é piada! Se o sujeito não se importa consigo próprio, acham mesmo que ele vai se importar se a droga que ele consome financia a violência ou se ele vai matar alguém na estrada? Come on!

O fato é que essas pessoas estão desorientadas. Faltou-lhes quem lhes desse um rumo na vida do mesmo modo como o Estado me deu um rumo para atravessar a rua com segurança. Nem todos os limites que (a família, o chefe, o governo e a própria vida) nos impõem devem ser vistos como obstáculos para nos impedir de chegar aonde queremos. Às vezes eles são justamente um meio para que cheguemos bem ao outro lado. Acontece que para alguns essa boa intenção não ficou clara - o que resultou em rebeldia -, e para outros, não houve intenção nem limite - o que resultou em irresponsabilidade. Deixaram que eles atravessassem a rua onde bem entendessem, e eles estão aí, vivendo numa eterna roleta russa. Estes vivem dando oportunidades para que o acaso lhes apresente a morte, e para quem vive assim, a vida alheia não é importante, assim como também não são R$ 955,00 e um ano sem habilitação.

Thursday, May 01, 2008

O cárcere do amor

No livro A odisséia, de Homero, em que se narra o retorno de Ulisses a Ítaca, há uma passagem em que a deusa Circe adverte o herói para o perigo das Sereias. “Se alguém, por ignorância, se avizinha e escuta a voz das sereias, adeus regresso! Não tornará a ver a esposa e os filhos inocentes sentados alegres a seu lado, porque com seu canto melodioso, elas o fascinam, sentadas na campina, em meio a montões de ossos de corpos em decomposição, cobertos de peles amarfanhadas”. Por isso, Ulisses ordena que seus tripulantes tampem seus ouvidos com cera. Mas ele, ah, ele não quer perder a oportunidade de conhecer a beleza do canto, e desse modo, decide manter seus ouvidos bem abertos. Para não ceder aos encantos das sereias, no entanto, ele se prende no mastro da galé. Assim, enquanto seus homens continuam a remar, ele escuta a melodia fatalmente fascinante, mas mantém-se vivo para chegar a sua casa e encontrar a esposa Penélope e o filho Telêmaco.

Quando li A odisséia, aos 19 anos, este trecho – e aposto que muitos outros – passou batido. Não que eu não tenha entendido a metáfora. Eu sequer percebi que havia ali uma metáfora. Hoje, leio a passagem com outros olhos – e com outro coração, principalmente, pois é para ele que a literatura e todas as artes são feitas.

Ulisses prendeu-se ao mastro por amor à família. Provavelmente o canto das sereias é mais atraente que a família, do contrário, ele não precisaria ter se prevenido com amarras. Mas de tal prevenção também se deduz que deve haver algo de muito bom nesta família. Suponho que seja a vida, de modo geral – ele sabia que as sereias levam à morte – e o amor, de modo específico.

Amar é quase uma dor

Já li em livros de filosofia que, por ser uma via pela qual o sujeito descentra-se de si mesmo para doar-se a outro, o amor é libertador. Bobagem! O amor é uma prisão – e o é justamente porque envolve outro. Viver centrado no próprio umbigo é que é ser livre. Não é preciso conviver com o medo da perda do objeto do amor – e não é necessário dar satisfações de onde, quando, como e com quem se vai – e se vem! A solidão não exige horário para voltar para casa.

O amor exige – isso e muito mais. O amor demanda cuidados – e aí está o dilema. Cuidar quando estamos a fim chega a ser prazeroso. Nem sempre, contudo, estamos a fim. Às vezes, temos mais vontade de ouvir o canto das sereias. Mas se não aceitarmos este fardo de cuidar mesmo quando estamos sem vontade de fazê-lo, perderemos o que amamos – e não queremos isso. E haja corda para nos amarrar!

Cuidar do que se ama dá trabalho. Perder o que se ama por desleixo dá tristeza. Djavan está certo: amar é quase uma dor.


Como é bonito, meu Deus, o canto desta sereia!

Ainda tenho outra interpretação para as cordas de Ulisses. Se ele se amarrou para poder manter-se vivo, e se ele quis manter-se vivo para encontrar Penélope e Telêmaco, as cordas podem ser uma metáfora dos próprios Penélope e Telêmaco. Foram eles que amarraram Ulisses à vida. Se é possível afirmar que o amor tem uma função, eu arriscaria dizer que esta função é mesmo a manutenção da vida. O mundo é cheio de tentações – as sereias estão por toda parte. Se não tivermos algo que nos prenda, não resistiremos. É por amor que trabalhamos e diminuímos o sal, a gordura e o cigarro. Eis porque considero A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, um livro genial: a leveza não é, de fato, uma posição sustentável. É preciso um peso, é preciso uma cruz que nos curve e nos deixe mais próximos do chão. É preciso algumas cordas, uma Penélope e/ou um Telêmaco que nos dê motivo para nos amarrar ao mastro quando as sereias cantarem.

Parece-me, entretanto, que cada vez mais pessoas têm preferido entregar-se às sereias. Penso e não consigo chegar a uma conclusão do porquê. Estará sendo difícil encontrar alguém por quem valha a pena nos amarrar? Estarão estas pessoas frágeis demais para carregar o peso de um relacionamento? Ou será que elas não aprenderam a fazer o que não gostam e, por isso, não sabem conviver com aquele dilema de ter de cuidar mesmo quando não se está com vontade? Suspeito que a resposta correta seja: todas as alternativas anteriores – e mais algumas outras que a inexperiência me impede de perceber.

Tuesday, February 19, 2008

Você vai ver um dia em que fria você vai entrar...

Fui assistir ao filme Sangue Negro no último domingo. Confirmei minha tese de que o máximo permitido antes de ver um filme é ler sua sinopse, mas nunca as críticas. Entrei absolutamente inocente na sala de cinema quando fui assistir a O show de Truman e Pequena Miss Sunshine, e em ambas as vezes saí de alma lavada. Com Sangue negro foi diferente. Li várias críticas, e todas me pintaram um épico inesquecível. Decepcionei-me. O filme não chegou a me comover. Mas devo admitir que ele tem, sim, suas qualidades.

Em primeiro lugar, a trilha sonora original é, de fato, muito original! E muito bem usada. Há seqüências longas com peças musicais insistentes – e que têm toda razão de sê-lo.

Em segundo lugar, o enredo suscita uma reflexão que para mim não é nova, mas é sempre bom reforçá-la: a de que patrimônios gigantescos ruem depressa quando não são construídos sobre bases sólidas. Daniel Plainview, interpretado por Daniel Day-Lewis, é um mineiro que aprende a perfurar o solo e a encontrar petróleo como ninguém. Portanto, enriquece. Mas Plainview é um homem cuja sensibilidade é inversamente proporcional ao seu tino para negócios, e se ele consegue tirar fortuna do solo, não sabe fazer o mesmo com pessoas – em quem, afirma, não consegue encontrar nada de bom. Ora, como dizia Kant, não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos. Plainview não enxerga nada de bom nas pessoas porque não tem nada de bom dentro de si mesmo. Ou melhor, não acredita que possa ter algo bom dentro de si – para mim, a descrença no outro, nos termos em que falo aqui, é sempre o reflexo de uma descrença em si –, e por isso prefere escavar a terra ao invés de escavar a si mesmo. De qualquer forma, eu pergunto: se não consegue conviver com outras pessoas, para que construir um patrimônio assombroso? Para jogar boliche na sua pista particular - sozinho?

Isso me lembra um amigo da minha irmã, Luciano, que semanas atrás comentava sua viagem a New York. Dizia ele em tom melancólico: “Eu visitava os museus e via telas incríveis, mas meus amigos não estavam lá para que eu discutisse a respeito delas...” É claro que, tendo a oportunidade de ir a New York, eu iria de qualquer maneira – sozinha ou acompanhada. Mas sei exatamente o que Luciano quis dizer. Há momentos na vida que não fazem sentido se não forem compartilhados.

A chegada de Plainview ao topo foi totalmente solitária. Como é a de muitos Plainviews por aí, homens e mulheres que priorizaram a vida profissional em detrimento da vida pessoal na crença de que as duas são obstáculos mútuos (quando, me parece, é justamente o oposto) e resolvem realizar-se primeiro numa para depois – crentes de que são donos de seu próprio destino, totalmente descrentes das surpresas da vida e dos caprichos da morte – na outra. Como diz Dalai Lama, vivem como se nunca fossem morrer e depois morrem como se nunca tivessem vivido.

O sujeito descobre a cura da AIDS, ou vence um campeonato mundial de tênis, ou ganha o Nobel da Literatura... Enfim, chega lá. Chega aonde sempre quis. Mas quando chega em casa, bebe sozinho a garrafa de champagne. Tem lá fora uma legião em quem desperta admiração, e aqui dentro ninguém em quem despertar orgulho.

Thursday, February 07, 2008

Sobre a fé a hierarquia social

Esta é daquele livro sobre sociobiologia que eu comentei alguns posts atrás – e sobre o qual falarei em muitos outros posts futuros:

“Algumas coisas virtualmente não existem: ateus em ninhos de metralhadoras e relações meio a meio”.

Chupem esta manga!!!

Simplesmente fantástica a citação! Concordo em gênero, número e grau!

Nunca pude presenciar – ainda bem! – uma situação que confirmasse minha hipótese, mas tenho minhas dúvidas de que um ateu mantenha-se implacável na sua descrença ao receber um diagnóstico de tumor maligno no cérebro de seu filhinho de 3 anos. Quem consegue confiar só em médicos, tão humanos – e falíveis – quanto qualquer um de nós? Na hora do aperto, acredito que todos se recusem a aceitar que estamos mesmo entregues ao nosso próprio destino. Nunca rezo, não fiz catequese, nem primeira comunhão, e nem lembro quando foi a última vez que entrei em uma igreja. Não fui sequer à missa de minha formatura de graduação. Mas em horas drásticas, aquela em que a gente costuma pensar “tô f*!”, clamei infantilmente a um ser superior que interviesse em meu favor. Ele nem sempre atendeu. Talvez porque achasse que eu precisava passar mesmo por aquilo. Talvez porque sadicamente estava a fim de rir às custas da minha desgraça. Talvez – hipótese mais provável – porque não exista mesmo. Mesmo assim, em situações posteriores, voltei a recorrer a ele, e ainda recorrerei outras tantas, o que me faz concluir que a fé não serve para conseguir sair da tempestade, mas para tolerá-la. Gil tem razão, a fé não costuma falhar. Se o objetivo dela é este mesmo de que suspeito, então ela não falha. Ela realmente nos dá forças incomensuráveis. E não posso deixar de dizer que, se lembro deste ser superior para pedir, também lembro para agradecer. Todas as noites – sem exceção! – quando eu chego da night em casa, assim que coloco os pés no corredor do meu prédio e fecho atrás de mim o portão, digo, não sei bem para quem, se para Deus, ou para o universo, sei lá, “Obrigada por ter chegado sã e salva mais uma vez!”

E sobre as relações meio a meio?

O autor completa: “Entre animais sociais, a falta de hierarquia definida produz situações muito instáveis. Ponha juntos diversos macacos (ou cães ou galinhas) pela primeira vez e voarão pêlos (ou penas). Continuarão a voar até decidirem quem é chefe e quem não é. Uma vez estabelecida a hierarquia, porém, reina a paz, interrompida apenas por pequenas brigas quando alguém tenta subir na escada social. Qualquer tentativa de mudar de posição tem probabilidade de causar rompimento.”

Com seres humanos acontece o mesmo. Sei que não somos apenas animais, e que poderíamos utilizar a razão de que tanto nos vangloriamos para viver numa sociedade igualitária. Mas justamente por causa de toda a sucessão de fracassos neste sentido que colecionamos ao longo de nossa história, começo a desconfiar de que há, sim, razão para vivermos em hierarquia. Não existe a exploração do homem pelo homem, para utilizar uma expressão de Marx, apenas porque isso é da nossa natureza. Ela existe porque talvez – quem poderá ter certeza no que diz respeito a isso? – seja mesmo necessária e inevitável. Mudanças são possíveis, mas só na superfície. Como a Revolução Francesa deu demonstrações ostensivas, o poder pode mudar de mãos, mas a tirania continua – e continua a haver quem se submeta a ela, ou porque não tem escolha, ou porque uma das alternativas exija sacrifícios pelos quais não estão dispostos a pagar.

A única coisa que defendo nesta história é que todos tenham o direito de querer e de lutar para subir na escada social. Parece cinismo da minha parte – e talvez seja mesmo – mas todo explorado deve ter o direito de se tornar um explorador, se assim o quiser e fizer por merecê-lo (será que existe um limbo entre estas duas classes, será que existem os que não são explorados, nem exploradores, os apenas bonzinhos? Deixemos a hipocrisia de lado: sinceramente, creio que não). E acredito que todos podem operar essa mudança em suas vidas. Só que para isso é preciso uma série de fatores: trabalho duro, senso de oportunidade, competência, boas relações sociais (olha aí elas de novo!), sorte. E, é claro, fé, que ela não costuma falhar!

; )

Saturday, February 02, 2008

Porto Alegre é demais!

Porto Alegre é muito grande, e tão pequena!


Ah, escrevendo sobre Porto Alegre, não pude me furtar de voltar aqui e prestar uma homenagem a ela. Eu poderia esperar o dia 26 de março – dia de seu aniversário (impressionante como me dou bem com arianos!) – para fazê-lo, mas não me agüentei e cá estou, rendida a ela!

No post imediatamente anterior a este, eu mencionei um bar, o bar a que eu fui ontem. Pois então, ele é o único bar rock n’ roll de Florianópolis – o pessoal aqui curte demais reggae e MPB. Entrando lá, pensei com todo o bairrismo a que eu jamais tinha me permitido até então: “Que legal! Parece os bares de Porto Alegre!” Vim a saber, mais tarde, que os dois donos do dito cujo são porto-alegrenses.

Sentados à mesa, bebendo cerveja, conversamos sobre diversos assuntos, até que, não sei por quê, minha irmã e o amigo dela começaram a tal conversa sobre Porto Alegre que desencadeou a minha saudade de que falo aqui embaixo (ah, detalhe: houve um requinte de crueldade, no bar tocou a música Anoiteceu em Porto Alegre!). E falando nisso, ele – o amigo – disse “Eu adoro morar em Floripa, mas como eu gosto daquela p* daquela cidade!” E isso me fez lembrar uma frase deste mesmo cara, só que dita alguns anos atrás: “Porto Alegre é uma cadela!”

É mesmo! Ela nos dá um monte de motivos para não gostar dela: trânsito, violência, caos em dias de chuva, agenda pobre de shows internacionais e temperaturas de verão que só não são mais altas que o custo de vida... Sem contar os problemas que só os oriundos do interior – como eu! – identificam. Por exemplo, grande parcela dos porto-alegrenses se preocupam demais demais demais com imagem! Gastam o que têm e o que não têm para sustentar uma aparência para seus amigos que também vivem de aparência. O charmosíssimo bairro Moinhos de Vento, então, tem flora exuberante – com suas ruas arborizadas – e uma fauna bizarríssima! 99% das mulheres são incrivelmente iguais: cabelos artificialmente louros, pele artificialmente alaranjada e sorrisos e gestos artificialmente premeditados. Um dia, lendo uma revista de moda, chamou-me a atenção o comentário de duas estilistas de São Paulo sobre o estilo das gaúchas: “Elas têm muito bom gosto, mas se vestem todas iguais!” Cada vez que vou a algum bar deste bairro (porque ao contrário de muitas pessoas, a mim importa aqueles me acompanham, e não os habitués dos lugares), sinto-me exótica com meus cabelos crespos e escuros!

Outra coisa que estranhei assim que cheguei a Porto Alegre foi a maneira de os homens “azararem” as mulheres, quase sempre tentando impressionar com aquilo que cada um acha que tem de melhor: sobrenome, posição social, emprego promissor, músculos, erudição. No interior não é assim: todo o mundo se conhece – no mínimo, conhece alguém que te conhece – e, portanto, não precisa falar – ou não adianta mentir – sobre sua família, profissão ou endereço, porque todo o mundo sabe – ou muito em breve vai poder confirmar – ou desmentir – as informações. Então o cara simplesmente conversa sobre seus interesses em relação à moça. Simples, não? Felizmente, nem todos que moram em Porto Alegre são porto-alegrenses, e nem todos os porto-alegrenses são assim.

Mas Porto Alegre é uma cadela, e mesmo com tudo isso, a gente não consegue não gostar dela! O atendimento em estabelecimentos comerciais de toda ordem é excelente, os serviços são bem – e rapidamente – prestados, o sistema de transporte coletivo é ótimo, as corridas de táxi são baratas e as ruas são lindas e arborizadas. Há locadoras de vídeo em que se pode encontrar de tudo – e onde os atendentes entendem de cinema –, cafés aconchegantes e parques lindos, como o da Redenção, que é pertinho da minha casa e tem uma feira bem legal nos sábados de manhã! Tem um pôr-do-sol maravilhoso e lugares como o Mercado Público. E tem o que eu chamo de “gente como a gente”. Na cidadezinha em que passei minha adolescência, eu me ressentia da falta de amizades, porque só havia duas alternativas: as patricinhas e as maconheiras bicho-grilo (nada contra nenhuma das tribos, a questão é que eu simplesmente me sentia deslocada em ambas). Ninguém era como eu, assim... normal, sabe? Gente para quem roupas de grife não são tudo na vida, mas para quem também não é o cúmulo do materialismo e da futilidade malhar em uma academia e almejar comer em um restaurante bacana. Eu moro em Porto Alegre desde 2003, e desde então, não houve um único ano em que eu não tenha acrescentado um número razoável de pessoas legais à minha lista de amigos.

Porto Alegre também tem algumas peculiaridades. O centro da cidade não fica no centro da cidade. A Rua da Praia – cujo nome, de fato, é Rua dos Andradas – não tem praia nenhuma. E na zona sul existe um rio que na verdade nunca existiu, mas que arde em fins de tarde de luz vermelha, de dor vermelha, vermelho-anil.

Eu sou feliz... e sei!!! : )

Detalhe do Parque da Redenção: "quintal" saudoso da minha casa.


Geralmente utilizo este espaço para discutir assuntos objetivos: política, comportamento, arte. Hoje, no entanto, vou me egocentrar (não sei se existe este verbo – o Word não reconheceu –, mas se não existe, estou inventando agora!) e falar um pouco de mim!

Hoje faz dez dias que estou em Florianópolis. Tirando o recente dilúvio, não tenho do que reclamar. A casa em que estou hospedada não poderia ser melhor: os anfitriões são supergentis, a piscina é gostosíssima e no “meu” quarto tem computador plugado na internet. Ah, claro, tinha esquecido as praias... Mas dessas não preciso nem falar!

Contudo, tive um momento epifânico ontem. Num bar, no momento em que ouvi minha irmã dizer algo do tipo “Fica ali na Vasco”, referindo-se a uma rua do bairro Bom Fim, Porto Alegre, bairro este em que moro, me vieram à mente diversos elementos do meu cotidiano: o Zaffari, a locadora Espaço Vídeo, minha ruazinha amada, Fernandes Vieira, minha casa, minha cama, meus livros, meus cd’s, meu computador, MEUS AMIGOS, meus alunos, meu trabalho, os lugares que freqüento – a Redenção, a academia, a escola de música, os bares da Cidade Baixa, a Lancheria do Parque – enfim, A MINHA VIDA, e meu deu uma saudade doída dela, uma vontade louca de que o carnaval passe de uma vez e que tudo volte ao normal!!!

Foi neste momento, afastada de tudo e de todos, que percebi como minha vida, de uns tempos para cá – mais precisamente a partir de outubro de 2007, mais ou menos – tem sido maravilhosa!!! Tanta gente reclama da rotina, mas eu amo tanto a minha!

E então fiquei me perguntando: será que foi a minha vida que mudou ou fui eu que mudei o jeito de vivê-la?

Eu não sei a resposta, mas aposto na segunda hipótese. Houve, sim, algumas mudanças, das quais a que mais se destaca é o fato de eu ter começado a estudar canto. Não sei explicar o porquê, mas esta aproximação com a arte – e uma arte que envolve outras pessoas, como é o caso da música, porque desde sempre eu tenho o hábito de escrever, mas escrever é solitário, não envolve troca – mexeu muito comigo, me fez mais sociável, mais alegre, mais autoconfiante, e mais receptiva para as boas vibrações do mundo. Inclusive, justamente um colega da escola de música observou que eu tenho muita necessidade de me expressar. Ele tem razão. Mas eu não era assim. Tanto que publicava com muito menor freqüência neste blog. E me manifestava pouco em presença de outras pessoas, fosse em reuniões de trabalho, fosse em reuniões de amigos.

Mas todas essas mudanças provocadas pela música só foram possíveis porque eu mudei. Dois anos atrás, eu não teria me permitido interagir tanto com os colegas. Aliás, dois anos atrás, eu não teria me matriculado na tal escola de música. Tanto é que não me matriculei. : )

O que se passou comigo para que essas mudanças fossem possíveis?

Não consigo imaginar nenhuma outra resposta que não seja os quatro anos de análise. Quando me vejo quatro anos atrás, percebo o quanto eu era bruta, fria, medrosa. E sovina. Não em termos financeiros, porque não tinha tanto a poupar. Mas em termos de emoções – e isso eu já tinha de sobra, e economizava, escondia tudo debaixo do colchão, temerosa de investir em maus negócios, a espera daquele negócio da China que um dia chegaria e que, é evidente, nunca chegou. E, sendo assim, eu acumulava, e o acúmulo desvalorizava, embolorava e me fazia mal. Tanta economia resultava naquele famoso barato que sai caro. E o pior é que jamais suspeitei disso. Foi meu terapeuta que me mostrou. A muito custo, é claro, porque eu resistia a admiti-lo. O meu terapeuta, tem que ser tão paciente ele!...

O fato é que, nas emoções, assim como nas finanças, quem não aposta não ganha. E quem quer ganhar tem de estar disposto a perder. Tem de estar disposto a demonstrar mesmo sem a certeza de que a recíproca será verdadeira.

E neste sentido, posso dizer que estou me tornando uma investidora agressiva! Alguns riscos são irrelevantes, outros são bem grandes. Mas são eles que estão dando tanta cor à minha vida. A ponto de estar em férias em Floripa, morrendo de saudade da minha rotina em Porto Alegre!



P.S.: Eu desejo do fundo do meu coração que todas as pessoas que fazem parte da minha vida estejam tão de bem com suas vidas como estou com a minha! ; )

Friday, February 01, 2008

Sexo com amor?


O beijo, de Rodin: o sexo sem amor é um pré-requisito do erotismo autêntico.

Hoje estréia nos cinemas brasileiros a comédia Sexo com amor?, primeiro filme de Wolf Maya, adaptação de um longa chileno sobre três casais que passam por uma fase turbulenta no décimo ano de vida em comum. Não vi o filme, mas as breves sinopses a que tive acesso e o título me fizeram lembrar de súbito justamente o capítulo que estou lendo de um livro sobre sociobiologia, ramo da ciência que pretende encontrar razões biológicas para o comportamento humano.

Já me deparei com várias idéias com as quais discordei totalmente. Exemplo: os pais protegem tanto sua filha adolescente porque não querem que ela engravide cedo demais, pois neste caso, ela não terá perfeitas condições de criar seu bebê, que pode vir a morrer ou, caso vingue, crescer com fragilidades que impedirão a transmissão dos seus genes adiante. Em suma: os pais protegem porque querem garantir sua continuidade genética. Nada a ver com o sofrimento da menina em sacrificar sua adolescência e complicar sua vida pessoal e profissional no futuro. Francamente!!!

Outra coisa de que não gosto é a insistente idéia de analisar os seres humanos como se fosse um animal qualquer. Humanos têm psique, e isto muda, senão tudo, muita coisa.

Por exemplo, o autor diz que os machos (humanos, inclusive), por melhores que sejam em relação aos seus semelhantes, perdem sua posição no mercado sexual quando sua fêmea está prenhe (para humanos, leia-se “quando está comprometido”), porque tem uma companheira que precisa vigiar (proteger dos predadores, prover, etc, afinal, é o seu filho – seus genes – que está em jogo) e que também o vigia (para que outras fêmeas não venham seduzi-lo e, desse modo, abandone-a neste momento em que a força de um macho é imprescindível), e “por isso é menos desejável para outras mulheres. (...). Ele agora perde para machos que talvez sejam claramente inferiores, mas que são escolhidos em seu lugar simplesmente porque estão ‘livres’” (p.91). Pela lógica, as outras fêmeas preferem um macho que, apesar de não tão “bom partido”, estarão ao lado delas para criar a prole. Mas entre humanos, a lógica é outra, não obedecendo a relações de causa e efeito. Muitas mulheres se interessam, sim, por homens comprometidos, justamente porque são comprometidos! As razões podem ser várias: uma pode acreditar que só merece homens pela metade, ser a reserva, a segunda colocada no pódio; outra pode temer sofrer por um possível futuro abandono, e por isso, evita envolvimentos mais sérios. E nem todas querem ter prole (isto pode não ser natural – particularmente, acho muito bizarro alguém não querer ter filhos –, mas aí é que está o ponto em que eu insisto: humanos não são apenas naturais, mas também, e talvez principalmente, culturais).

Há contudo idéias interessantes que encontram, em alguma medida, correlato entre humanos. Por exemplo, quando se questiona sobre a suposta queda de freqüência sexual depois de determinado tempo de casamento, o autor, Robert Wallace, argumenta:

“Pessoas estabelecem laços. Alguns chamam isto de amor. Parece também que laços não se desenvolvem da noite para o dia. Se, para estabelecer laços, leva tempo, deve haver algum meio de conservar os sexos juntos por tempo suficiente para que os laços sejam formados – e sexo puro e bruto é um meio. Depois de formados os laços, a cópula se torna menos importante e muitas vezes diminui de freqüência.”

Ao ler este trecho, me veio à memória aquele verso da música de Arnaldo Jabor gravada por Rita Lee: “Sexo antes, amor depois”. Pois então, é aí que entra o título do filme de Wolf Maya: “sexo com amor?” Como diz Wallace, amor não brota da noite para o dia. Amor é uma construção. Aquilo de que os românticos do século XVIII falam em seus poemas e romances é outra coisa – projeções narcisistas, talvez – mas certamente não é amor. Portanto, ninguém faz sexo com amor sem antes tê-lo feito sem amor. Primeiro você faz sexo por uma série de outras motivações – atração física, carência afetiva, etc – e depois, com o tempo da convivência, das conversas pós-sexo (se você não teve o azar de estar com parceiros que dormiam – ou iam embora – logo depois – a não ser que você tenha levado para casa alguém tão desinteressante e sem assunto que quis mais é que a pessoa fosse embora de uma vez!), etc, etc, etc, vão surgindo outros interesses, outros encantos, e aí, sim, formam-se os laços para se fazer, enfim, sexo com amor.

Só não concordo quando o autor diz que “a cópula se torna menos importante”. Na minha opinião, não é que se torne menos importante. É que o casal passa a copular de outras maneiras – simbólicas. Freud pegou justamente de Darwin o conceito de evolução – segundo o qual dois se unem para criar um terceiro melhor – para sustentar a teoria de que o casal se une para criar terceiros melhores, o que não necessariamente são filhos. Pode ser a construção de uma casa, a formação de um negócio ou uma viagem. Enfim, qualquer projeto conjunto em que haja investimento – não só financeiro, mas emocional – de ambas as partes. Segundo Freud, tudo isso também é sexo. E com amor. Porque sexo sem amor você pode fazer com qualquer um, mas você não faria sociedade com o primeiro que lhe aparecesse pela frente, certo?

Wednesday, January 30, 2008

Nothing is gonna change my world


Jude observa seu campo particular de morangos eternos: "é preciso cultivar nosso jardim"


A inspiração vem de todos os lados...

Fui ao cinema assistir ao filme Across the universe pela segunda vez, e mais uma vez, saí da sala do cinema levitando, apesar de a cabeça estar pesada de idéias.

Como se passa na época da gênese da contracultura, há uma personagem, a Lucy, que é superidealista e participa de um grupo de pacifistas contrário ao envio de jovens americanos à Guerra do Vietnã. Ela se envolve tanto com sua luta, que acaba deixando em segundo plano o seu namorado, o Jude, que, é claro, fica puto com isso.

As duas personagens são faces de uma mesma moeda. Jude também vive neste mundo, portanto, de um jeito ou de outro, é afetado pelos rumos que ele toma. Lucy tem mais consciência disso, e tenta interferir nesta trajetória do mundo.

Só que não adianta. No final das contas, os pacifistas também constroem bombas – assim como o próprio John Lennon teve ligações escusas com o IRA (sinal de que ele não era tão “give peace a chance” assim, ou era, só que para ele, a palavra “paz” tem um sentido diferente do sentido que os outros dão, assim como “democracia” tem sentidos diferentes para a esquerda e para a direita, e “justiça”, para palestinos e israelenses...). Os pacifistas também são humanos, e como todos os humanos, fazem besteira, muitas vezes – acho que quase sempre – as mesmas dos seus inimigos, o que me faz pensar se não estamos todos brigando pela mesma coisa em conversa de surdos. É esta a dúvida cruel de Hamlet quando ele se pergunta: “Ser ou não ser, eis a questão!” Hamlet tem duas escolhas: aceitar covardemente que seu tio tenha assassinado seu pai para tomar o trono, ou honradamente vingar o pai, assassinando o tio e tomando o tr... ops, peraí: mas, neste caso, não estaria ele cometendo a mesma infâmia que o tio? A vida nos coloca em cada encruzilhada... (Parêntese: você já leu Hamlet? Pois então leia, leia já, pare agora de ler este blog – outra hora você volta e termina de ler – e vá atrás de uma edição de Hamlet, não ouse morrer sem antes ler Hamlet!!! E leia com atenção, porque cada frase, cada singela linha, é como aquelas caixas de presente que tem outra caixa por dentro, que tem outra e mais outra, uma loucura! – e uma lucidez impressionante!)

Lucy condena Jude, que vive só em seu mundo, fazendo seus rabiscos (no filme, Jude é artista plástico), enquanto o mundo está se destruindo. Pobre Lucy, não percebe que a alienada é ela. Ela é que vive num mundo de sonhos. Ela é quem vive no céu. E rodeada de diamantes.

Penso como a letra da música Revolution, que Jude canta para Lucy:

You say you want a revolution
Well you know
We all want to change the world

You tell me that it's evolution
Well you know
We all want to change the world

But when you talk about destruction
Don't you know you can count me out

Don't you know it's gonna be

Alright
Alright
Alright

You say you got a real solution
Well you know
We'd all love to see the plan

You ask me for a contribution
Well you know
We're all doing what we can

But if you want money for people with minds that hate
All I can tell you is brother you have to wait

Don't you know it's gonna be

Alright
Alright
Alright

You say you'll change the constitution
Well you know
We'd all love to change your head

You tell me it's the institution
Well you know
You'd better free your mind instead

But if you go carrying pictures of Chairman Mao
You ain't going to make it with anyone anyhow

Don't you know it's gonna be
Alright
Alright
Alright

oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, alright,
alright, alright, alright, alright, alright, alright,
alright, alright, alright, alright, alright...

Acho esta letra fantástica! É claro que todos queremos mudar o mundo, mas como? Ah, você tem a solução? Qual? Existem 6 bilhões de pessoas no planeta, acha mesmo que todas as outras 5.999.999.999 vão concordar? Acredita que consegue convencê-las todas? Creio que não. A não ser que use a força para isso, mas aí... Hamlet.

Não quero dizer com isso que estou me lixando para o mundo. A questão é que querer transformá-lo todo é uma luta inglória. Mas há uma medida possível: nunca esqueço de algo que Renato Russo disse naquele álbum ao vivo Como é que se diz eu te amo, “Consertar a gente já ajuda pra caramba!” A maioria dos militantes acusa os “alienados” de se preocupar de menos com o mundo e demais com seus próprios umbigos. Pois é justamente isso que eu recomendo aos militantes: olhem um pouco mais para seus próprios umbigos! Vocês descobrirão coisas incríveis, muitas tendo muito o que consertar!

Jude diz, a certa altura, que seu problema é não ter causa nenhuma. Ele está enganado. Ele tem. Mesmo sem saber, está seguindo o conselho de Voltaire de cultivar seu próprio jardim. Assim como eu.

Mudar eu mesma é a minha causa. Esta é a minha maior utopia. E sei que utopia é um lugar que não existe, mas o que imorta é o tanto que eu caminho em direção a ela, como diz Eduardo Galeano:

Eu caminho dez passos, ela se afasta dez passos;
Eu caminho vinte passos, ela se afasta vinte passos;
Eu caminho trinta passos, ela se afasta trinta passos.
Para isso serve a utopia:

Para caminhar.

; )

Tuesday, January 29, 2008

Sobre dias de sol e ameaças de chuva...


Eu curtindo um dia de sol sem me preocupar com os dias vindouros de nuvens carregadas


Lembram da Soninha Francine, a VJ da MTV que foi demitida da TVE por admitir no ar que fumava maconha? Pois é, ela escreve uma coluna para a revista Vida Simples, que é, por sinal, uma revista muito interessante. Um dia, ela escreveu sobre curtir os dias de sol sem se preocupar com os dias nublados que estavam por vir. Era uma metáfora, óbvio. Na época, Soninha enfrentava o tratamento da filha de 7 anos, que sofria de leucemia. Evidentemente ela estava se referindo ao fato de aproveitar os dias com sua pimpolha sem se preocupar se no dia seguinte a menina estaria internada num hospital ou... bem, não vamos falar no pior.

Terminando de ler a coluna, olhei para a foto da Soninha como se olha para um totem! Francamente, não sei se eu teria forças para exibir aquele sorriso e a serenidade daquelas palavras se tivesse uma garotinha de 7 anos com leucemia!

O caso da Soninha era grave. Mas o de muitas outras pessoas não é. Nem por isso elas deixam de se preocupar com a tempestade em dias esplendorosamente ensolarados!

Um exemplo: um casal em fase de aproximação. Eu sei que as dores do passado nos deixam calejados, mas para que se preocupar com a certeza – que pode não se confirmar – de que toda a magia desta fase inicial vai se acabar? Aproveite-se a magia enquanto ela existe e vê-se o que se pode fazer quando ela acabar – se é que ela vai acabar, porque ela pode simplesmente passar por uma transformação, o que não é sinônimo de fim.

Isso me lembra a última cena do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Quando Joel demonstra querer ficar com a Clementine, ela começa a fazer uma lista de seus defeitos. Joel apenas olha para ela com uma expressão que parece dizer “Ok, eu te quero mesmo assim!”

Eu entendo a Clementine. Alguns relacionamentos nos deixam mesmo numa situação muito delicada: ou vivemos para corresponder às expectativas do parceiro, ou o decepcionamos – e, que desforo!, ainda temos de dar satisfações por não sermos aquilo que ele idealizou de nós!

Mas eu também entendo o Joel. Qualquer pessoa minimamente saudável sabe – e se conforma com isso – que todos têm defeitos. E às vezes, surpresa!, é dos defeitos mesmo que a gente gosta! Ou vocês acham que Joel não adora o jeito doidinho da Clementine?

Um dia, um dos melhores professores que eu tive na minha vida, o professor Jaime Ginzburg, de Literatura Brasileira, na faculdade de Letras da UFSM, disse que o amor é uma aceitação mútua de precariedades: “Você aceita a minha precariedade e eu aceito a sua”. Eu, que tinha apenas 19 ou 20 anos, sempre tinha visto o amor como uma admiração mútua de qualidades. E não mudei de opinião, apenas acrescentei a ela a perspectiva do professor.

Mas o fato é que prefiro admirar as qualidades sem ficar me preocupando com a precariedade. Isso não é viver de um modo ingênuo. Não ignoro os defeitos. Mas só lhes dou atenção quando eles pedem!

Ainda sobre a felicidade...

Escrevendo ontem sobre o hábito de algumas pessoas de postergarem a felicidade, não pude deixar de lembrar de dois poemas. O primeiro é o excelente Adiamento, de Álvaro de Campos, o heterônimo mais melancólico de Fernando Pessoa:

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...

Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

O sujeito do poema parece estar convicto de que realmente tem condições de conquistar o mundo – e não duvido de que as tenha mesmo –, mas deixa para fazê-lo no futuro porque... bem, porque, como já escrevi no post anterior, conquistar não tem graça. Almejar a conquista é que tem. Ou talvez o sujeito seja apenas preguiçoso. Deixa para amanhã porque... acredita que o futuro lhe pertence. Confia na vida e não conta com a morte. Eis o risco de deixar as coisas para amanhã. Nem sempre o porvir de fato vem.

Julgar que “depois de amanhã é que está bem o espetáculo” é raciocínio de quem vive de imagem, de quem quer agradar aos outros, de quem pensa que precisa provar algo para alguém. Por que não fazer o espetáculo hoje? Porque ainda não está bem ensaiado? Porque ainda faltam alguns detalhes? E daí? Quem se importa? Você? Tem certeza que é mesmo à sua auto-exigência que quer atender?

Aliás, para que (ou para quem) fazer espetáculo, hein? Tive oportunidade de participar de um tempos atrás e posso assegurar que os preparativos & bastidores foram muito mais interessantes do que o espetáculo em si. E é melhor que tenha sido assim – e seria bom que fosse assim sempre, tanto no sentido real quanto (e principalmente) no metafórico –, porque em tudo na vida o processo é mais longo do que o fim. No caso do espetáculo real, só fiquei 3 minutos e 54 segundos no palco, veja só!...


Outro poema que me veio à mente é o Eterna mágoa, de Augusto dos Anjos:

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo Inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Em suma, se você acha que vai ser feliz quando atingir este ou aquele objetivo, esqueça! A pessoa que é infeliz não o é porque lhe falta algo, e nem mudará sua condição quando suprir esta carência. A felicidade – assim como a infelicidade – jamais virá de uma circunstância externa. O problema – e, eureka!, a solução – estão dentro da gente, e em nenhum outro lugar! (parece papo piegas de livro de auto-ajuda, mas a culpa é destes livros que tornam diversas verdades piegas!)

Não poderia deixar de terminar esta seção sem aqueles versos da música O que vem a ser felicidade?, de Orlando Morais (sim, mais conhecido como o-marido-da-glória-pires, mas que tem algumas composições muito legais, sim, senhor!):

Este sentimento poderoso
é um estado, é capital, é um país,
e o que há de mais maravilhoso é descobrir
que o tempo inteiro estava a um palmo do nariz...

;)

Monday, January 28, 2008

Quem não tem presente se conforma com o futuro

Quando tinha 13 anos, B. foi com a mãe retirar as fotos do Natal – na época, foto era algo que se tirava em máquinas analógicas e que se esperava algum tempo para que fossem reveladas – e ficou pasma como que viu: ela descobriu que era gorda. Engraçado, ela não se via exatamente daquela maneira no espelho, mas era fato, as fotos não mentiam: ela estava gorda. E a sensação de se ver assim era muito desagradável. B., então, decidiu que não tiraria mais fotos até emagrecer. Quem sabe até o seu aniversário ela estaria mais magra? Ou então até o próximo Natal? A decisão estava tomada: não tiraria mais fotos até ficar magra. Aliás, ela também não iria a festinha nenhuma até emagrecer. Não flertaria com nenhum menino. Não seria feliz até emagrecer. Porque felicidade não ficava bem num manequim 44. A felicidade só era compatível com a sua imagem idealizada de magra. Para tudo havia um padrão, e com a felicidade não seria diferente.

E B. seguiu em frente em busca da melhor forma para a sua felicidade. Fez a dieta da lua, da proteína, dos pontos. Fez sessões exaustivas de ginástica, passou os mais variados produtos na pele. Perdeu quilos em poucas semanas, e depois ganhou o dobro deles em uma.

B. tem agora 25 anos. E não tem fotos da adolescência. Nem da fase universitária. B. nunca emagreceu. E nunca foi tão gorda assim.

Nem feliz. B. caiu numa cilada que armou para si mesma: a de impor condições para a própria felicidade.

Mude-se a inicial por qualquer outra letra do alfabeto, e também o objetivo. B. é só um exemplo. Existem milhões de Xs, Ys e Zs que pensam só poder ser felizes quando diminuírem as orelhas de abano, forem ricos ou morarem em outra cidade. E muitas vezes, ao contrário da minha infeliz B. fictícia, elas conseguem atingir seus objetivos. Mas que engraçado, mesmo assim, elas não conseguem sentir aquilo que elas esperavam sentir. Por que será?

Ora, porque quem adia a felicidade é feliz de um modo torto; é feliz em adiar a felicidade. Para estas pessoas, a verdadeira felicidade é aguardá-la. Quando fez a cirurgia nas orelhas, X começou a implicar com o nariz, é claro, porque do contrário, ele estaria feliz, e ele não sabe muito bem lidar com isso. Tendo atingido a felicidade, o que ele faria com ela? Ele não está acostumado com isso. X não sabe ser feliz. X só sabe esperar pela felicidade. Esta é a sua especialidade: aguardar o futuro, ignorando o presente.

O problema é que quando o futuro chega, não há passado, não há experiência. E quando não se tem passado, é como estar numa estrada reta, sem placas de sinalização, nem árvores, nem nada: nenhuma referência. Tudo é igual. E nesta situação nos sentimos perdidos. Não sabemos em qual trevo entrar. Não sabemos aproveitar a felicidade quando ela chega. Nós a tratamos como aquele hóspede que julgamos ser muito exigente, ficamos sem jeito de recebê-la, só porque não temos os melhores lençóis, nem o melhor vinho para oferecer. Não, não, não. Não temos condições de hospedá-la da melhor forma, e se não for da melhor forma, não pode ser de forma nenhuma. Volte outra hora, volte quando estivermos melhor preparados. E ela, que na sua simplicidade, só queria uma porta aberta, vai embora, em busca de melhores anfitriões, que são simplesmente os que demonstram prazer em receber.

Thursday, January 24, 2008

Complain, monkeys, complain!!!

“Tenho náusea física da humanidade, que é, aliás, a única que há”. Assim disse Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, no seu Livro do Desassossego. Afortunadamente, não tenho náusea física da humanidade. Só de uma parcela dela.

E a parcela mais nauseabunda que há é a daquelas pessoas descrentes da humanidade – da qual, parece, Soares fazia parte – de Pessoa não me arrisco a falar, porque ele era muitos. Dia desses eu assisti a um vídeo no YouTube chamado Dance, monkeys, dance! O vídeo dedica-se a debochar do ser humano, focando a sua ridícula pretensão de acreditar ser superior aos demais animais. Tudo o que eu penso quando vejo tal vídeo é “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que dizem”. E não estou falando dos humanos. Nem dos animais. Refiro-me aos humanos que pensam assim.

Chama a atenção o trecho do vídeo que afirma, cheio de sarcasmo, que o ser humano é o único animal que acha que deveria ser feliz. Os outros animais se contentam em simplesmente ser. O que o autor do vídeo sugere? Que nós deveríamos também nos contentar em “simplesmente ser”? Então deveríamos viver apenas para dormir, comer, transar, parir e fugir de predadores? Deveríamos viver como animais?! Ah, esqueci: é que, para o autor, nós somos animais como quaisquer outros. Aham.

Imagino que quem pensa assim nunca se emocionou com uma música. Nem com um filme. Nunca leu um livro e ficou pasmo com a habilidade do autor de descrever exatamente o que ele sentiu naquela mesma situação. Aliás, nunca se consolou por saber que não é um solitário na sua dor – ou na sua alegria. Nunca se surpreendeu ao descobrir que também outras pessoas já sentiram aquilo.

Quem pensa assim nunca precisou de anestesia. Nunca teve pressa e precisou de um carro ou de um avião. Quem pensa assim não acha ruim comer carne crua. E não se incomoda de dormir ao relento. Quem pensa assim nunca pôs a cabeça em um travesseiro de penas, nem mergulhou em uma piscina em dia de calor escaldante. Também nunca tomou uma cerveja gelada com amigos num dia quente. Nem um café quentinho numa tarde hostil de inverno. Quem pensa assim acha ótimo tomar banho gelado no inverno. E não tem fotografias da sua infância. Quem pensa assim escreve tudo à mão e não vê mal nenhum em gastar o triplo de tempo para isso.

Quem pensa assim nunca ouviu “eu te amo”, nem “eu te odeio”. Nunca ouviu “como é bom ser tua irmã!” ou “por que não foste lá?, fizeste falta!”. Nunca ouviu, nem disse “adorei te conhecer”. Nunca teve o prazer de dar um presente. Nunca ajudou um cego a atravessar a rua ou pegou um bebê no colo. Nunca curtiu saudade, muito menos teve a alegria de matá-la.

O narrador diz que os homens negam ser macacos. Que eles querem ser outra coisa que não macacos, mas que não são. Eu digo que são, sim!

Também não sou especista. Respeito o animais e acredito que todos devem ter seu espaço e dignidade respeitados. Sou contra o uso de animais em circos. Não tenho casaco de pele, nem como foie gras. Eu acho o Knut um fofo. Apóio a luta pela preservação dos ursos pandas. Também quero que salvem as baleias. Mas os animais que pensam como o autor desse vídeo, a extinção desses não me comove.

Wednesday, January 16, 2008

Tudo pode ser seu!...


Fale em cantoras brasileiras, e todos lembrarão dos mesmos nomes: Elis, Gal, Bethânia, Marisa Monte... Mais recentemente uniram-se ao grupo Ana Carolina, Ivete Sangalo. Quase ninguém lembra da Marina. Sim, a Marina Lima. E a Marina deveria ser lembrada com mais carinho e mais respeito. É dela a versão mais sensual que existe de Garota de Ipanema. E de Only You também. Se um homem fizesse uma serenata para mim cantando Only You como os The Platters, eu ia achar divertido. Se ele cantasse como a Marina canta, eu me apaixonaria. Sério, eu casaria com o cara! E a parceria com o Caetano Veloso em Nosso estranho amor? Lindíssima. Isso sem falar na versão que ela fez de Mesmo que seja eu, mais viril do que a do próprio Erasmo Carlos (aliás, que letra, Erasmo, que letra!!!).

E como se não bastasse a forma que a Marina dá às músicas, ainda tem o conteúdo das suas próprias composições, aquelas que ela fez com seu irmão, o filósofo Antônio Cícero. Não vou falar do “você me abre seus braços/e a gente faz um país” porque este, embora bonito, já está caindo na pieguice e no descrédito na atual conjuntura do Brasil. Mas tem “a única morada de um homem está no extraordinário”, da canção Próxima parada. Se isso for mesmo verdade, o que estamos fazendo aqui, no tão terrivelmente ordinário? Vendo a vida passar?

Isso acaba de me lembrar uma aula de recuperação que dei não faz muito tempo. Uma aluna que fez bagunça o ano inteiro resolveu prestar atenção na aula de recuperação. Me ouviu, fez perguntas, resolveu todos os exercícios. No final, saiu da sala de aula dizendo “Gostei desta aula”. Eu respondi que ela podia ter gostado das aulas do ano inteiro, bastava ela ter se envolvido como ela se envolveu naquela aula derradeira. Qualquer coisa é chata se a gente não mergulha nela. Coisa bem ruim é pintar uma parede ou fazer uma faxina com medo de sujar as mãos. Vamos passar o tempo todo nos estressando – e o trabalho vai resultar mal feito. Para mim, o extraordinário a que se refere Marina está em tudo ao qual a gente se entrega – mas a entrega não pode ser unilateral, tem que ser de todos os envolvidos! Nós acabamos todos sujos, mas é de uma sujeira compartilhada, e dá tanta satisfação ver o resultado do trabalho que nem percebemos nossa imundície.

Outro verso da Marina de que gosto muito é o “Agora descubra de verdade o que você ama/Que tudo pode ser seu”, da música Pra começar. Eu não diria que fazer tal descoberta seja o bastante, mas é um grande passo! Sua vida está parada? Descubra algo de que goste muito e faça um movimento, um simples movimento: pode ser se matricular num curso de pintura em acrílico, ou buscar contatos na área em que você deseja abrir um negócio. Comece! Dê esta tacada inicial, e verá como uma bola baterá em outra, que baterá em outra, que baterá em outra de cuja existência você nem suspeitava, e o jogo se desenhará numa nova configuração para você, talvez não muito fácil, mas tão sedutora, que você não quererá sair deste jogo antes do fim!

Um movimento! Faça um simples movimento! E nas horas vagas, escute Marina. Ela merece sua atenção.

Wednesday, January 09, 2008

Há dias em que não estou bem

Há dias em que não estou bem. Não é o não estar bem de quando se tem preguiça de ir trabalhar. Não é o não estar bem de quando se bebeu demais. Não é o não estar bem de quando sentimos fome, sede ou frio – não é falta de alimento, água ou agasalho. É um não sentir-se bem que vem da escassez de algo de que nem se desconfia o que é.

São dias em que não se tem vontade de fazer nada, nem mesmo as coisas de que se mais gosta. Gosto de assistir a filmes, mas não tenho vontade de assistir a algum. Gosto de ler, mas nenhum livro agrada a mim. Gosto de navegar na Internet, mas que aborrecida é a Internet! Gosto de conversar com amigos, mas que preguiça de ligar para eles!

Dizem que sentimentos negativos atraem vibrações negativas. Mas como evitá-los? Como evitar sentir inveja do amigo que vem fazendo progressos financeiros ou da amiga que anuncia gravidez? Pior: como evitar sentir-se culpada por ter um sentimento tão execrado – embora sentido – por todos, a ponto de às vezes não admiti-lo sequer para si mesmo? Para onde vai esta inveja, se não a reconheço e não lhe dou um destino? Contra quem ela se volta? Contra mim, é claro. Prostra-se, senhora de si, sob este disfarce de não estar bem. E como evitar?

E, pior ainda, quando a inveja não é de algo nobre, como progredir materialmente ou formar família? E quando a inveja é de um amigo desempregado que pode dormir até tarde durante a semana? E quando a inveja é de alguém que nossa razão diz ser apenas digno de piedade? Como não se sentir mal? Como não sentir, somada à culpa de sentir inveja, vergonha de sentir inveja de coisas mesquinhas? Como evitar a bola de neve formada pela inveja, culpa, vergonha e o que mais esta última trouxer consigo?

Uma etiqueta das emoções. É o que o homem criou. Um código do que é certo e errado no quesito sentir, assim como no vestir-se e no portar-se à mesa. Tem até o vai-e-vem de modas. Ambição, por exemplo, já esteve fora de moda. Ou pelo menos já foi muito condenada. Houve tempo em que todos os vilões das telenovelas eram ambiciosos, ao passo que os mocinhos enriqueciam sem querer. Hoje, ambição é bem vista, como aquelas roupas espalhafatosas da década de 80, para quem todo o mundo torcia o nariz pouco tempo atrás, o mesmo todo o mundo que agora as estão usando e achando o máximo.

E será que, como na moda indumentária, há sentimentos que só ficam bem para os outros, e não para mim? Será que alguns sentimentos combinam apenas com determinados tipos de pessoas. Mini-blusas só ficam adequadas em mulheres sem barriga. Será que a alegria só cai bem para certas pessoas? E a raiva? E o desejo de vingança? E o orgulho? E a compaixão? E a nostalgia? E a autocomiseração?

A diferença é que quando saem de moda, os tais modelos deixam de ser produzidos. Mas e os sentimentos? Deixam de se criar e se desenvolver dentro da gente só porque são politicamente incorretos? Será que o meio interfere tanto nas nossas vidas a ponto de determinar até nossos sentimentos? Ou será que eles continuam a nos acompanhar sob disfarces insuspeitáveis, e ficam a nos assombrar?

P.S.1: Este texto foi escrito há muito tempo, num dia em que não estava mesmo bem. Ele não reflete, de modo algum, o meu estado de espírito dos dias de hoje. Ainda bem!

P.S.2: Vívian, como não deixas um contato para que eu possa agradecer a ti pelos elogios? Faço-o aqui. Não sabes o bem que fazem palavras encorajadoras como as tuas! Muito obrigada mesmo!