Wednesday, January 09, 2008

Há dias em que não estou bem

Há dias em que não estou bem. Não é o não estar bem de quando se tem preguiça de ir trabalhar. Não é o não estar bem de quando se bebeu demais. Não é o não estar bem de quando sentimos fome, sede ou frio – não é falta de alimento, água ou agasalho. É um não sentir-se bem que vem da escassez de algo de que nem se desconfia o que é.

São dias em que não se tem vontade de fazer nada, nem mesmo as coisas de que se mais gosta. Gosto de assistir a filmes, mas não tenho vontade de assistir a algum. Gosto de ler, mas nenhum livro agrada a mim. Gosto de navegar na Internet, mas que aborrecida é a Internet! Gosto de conversar com amigos, mas que preguiça de ligar para eles!

Dizem que sentimentos negativos atraem vibrações negativas. Mas como evitá-los? Como evitar sentir inveja do amigo que vem fazendo progressos financeiros ou da amiga que anuncia gravidez? Pior: como evitar sentir-se culpada por ter um sentimento tão execrado – embora sentido – por todos, a ponto de às vezes não admiti-lo sequer para si mesmo? Para onde vai esta inveja, se não a reconheço e não lhe dou um destino? Contra quem ela se volta? Contra mim, é claro. Prostra-se, senhora de si, sob este disfarce de não estar bem. E como evitar?

E, pior ainda, quando a inveja não é de algo nobre, como progredir materialmente ou formar família? E quando a inveja é de um amigo desempregado que pode dormir até tarde durante a semana? E quando a inveja é de alguém que nossa razão diz ser apenas digno de piedade? Como não se sentir mal? Como não sentir, somada à culpa de sentir inveja, vergonha de sentir inveja de coisas mesquinhas? Como evitar a bola de neve formada pela inveja, culpa, vergonha e o que mais esta última trouxer consigo?

Uma etiqueta das emoções. É o que o homem criou. Um código do que é certo e errado no quesito sentir, assim como no vestir-se e no portar-se à mesa. Tem até o vai-e-vem de modas. Ambição, por exemplo, já esteve fora de moda. Ou pelo menos já foi muito condenada. Houve tempo em que todos os vilões das telenovelas eram ambiciosos, ao passo que os mocinhos enriqueciam sem querer. Hoje, ambição é bem vista, como aquelas roupas espalhafatosas da década de 80, para quem todo o mundo torcia o nariz pouco tempo atrás, o mesmo todo o mundo que agora as estão usando e achando o máximo.

E será que, como na moda indumentária, há sentimentos que só ficam bem para os outros, e não para mim? Será que alguns sentimentos combinam apenas com determinados tipos de pessoas. Mini-blusas só ficam adequadas em mulheres sem barriga. Será que a alegria só cai bem para certas pessoas? E a raiva? E o desejo de vingança? E o orgulho? E a compaixão? E a nostalgia? E a autocomiseração?

A diferença é que quando saem de moda, os tais modelos deixam de ser produzidos. Mas e os sentimentos? Deixam de se criar e se desenvolver dentro da gente só porque são politicamente incorretos? Será que o meio interfere tanto nas nossas vidas a ponto de determinar até nossos sentimentos? Ou será que eles continuam a nos acompanhar sob disfarces insuspeitáveis, e ficam a nos assombrar?

P.S.1: Este texto foi escrito há muito tempo, num dia em que não estava mesmo bem. Ele não reflete, de modo algum, o meu estado de espírito dos dias de hoje. Ainda bem!

P.S.2: Vívian, como não deixas um contato para que eu possa agradecer a ti pelos elogios? Faço-o aqui. Não sabes o bem que fazem palavras encorajadoras como as tuas! Muito obrigada mesmo!

3 comments:

Marina. said...

Olá Ana!

Já faz tempo que venho acompanhando suas postagens no blog.
Alias, confesso que li todas suas postagens.
Achei todos os seus escritos bastante construtivos.
Tudo que li me fez refletir, sinto que evolui meus pensamentos.
Eu aprecio muito seu trabalho.

Fiquei contente em saber que você, também, gosta de música.
Espero que esteja bem.

Aguardando seus ''posts'',

Marina. @)------

Marina. said...

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto
e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores,
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos
e o quanto minha vida depende de suas existências ...

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade,
não posso lhes dizer o quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem
que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro,
embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro,
noto que eles não tem noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital,
porque eles fazem parte do mundo que eu,
tremulamente, construí,
e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.

E me envergonho, porque essa minha prece é,
em síntese, dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...
Se alguma coisa me consome e me envelhece
é que a roda furiosa da vida
não me permite ter sempre ao meu lado,
morando comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo,
todos os meus amigos, e, principalmente,
os que só desconfiam
- ou talvez nunca vão saber -
que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

Deep Red said...

Um dia desses estive comentando com uma colega que um amigo meu lembrava de uma passagem ocorrida há 20 anos atrás no meio de uma bebedeira e que aquilo o havia marcado a ponto de não esquecê-la até hoje. Quantas vezes isso ocorre conosco sem que ninguém desconfie. As marcas que os amigos deixam permanecem latentes até que em um momento aparecem como que por encanto, então os recordamos. Muitas vezes queremos expressar o que sentimos por eles, mas existe um certo bloqueio afetivo nos dias de hoje que nos impede de ser carinhosos, francos e sinceros com os amigos, sob pena de sofrermos repreensões e maledicências. Aos diabos com o senso comum que tenta nos submeter a vidas sem sentido e monótonas e que possamos ser abertos, ao menos, com os amigos.