Saturday, August 09, 2008

Por gosto ninguém vai lá!

Ouvi falar que, perguntado sobre qual é o sentido da vida, Freud respondeu “Amor e trabalho”. Também já ouvi uma música do Ismael Silva – em parceria com mais dois compositores cuja identidade a preguiça me impede de pesquisar na Internet – que diz que “o trabalho não é bom/ninguém pode duvidar/Oi, trabalho só obrigado/por gosto ninguém vai lá”. E agora, quem tem razão, o pai da psicanálise ou o mestre do samba?

Vamos contextualizar: quando disse “trabalho”, talvez Freud não estivesse se referindo ao trabalho tal como é comumente visto no dia-a-dia, mas como qualquer atividade laboriosa cujo sentido é a intenção de proporcionar uma vida melhor para si e para a sua família. Assim, tanto faz se o cara exerce a medicina, profissão nobre e pensante, ou a cata de lixo, trabalho mecânico que não possibilita, diretamente, ao trabalhador evoluir intelectual ou espiritualmente. O que importa é que este médico e este lixeiro tenham claro para si o porquê fazem o que fazem – nem que este porquê seja o investimento em um filho para que ele não precise ser também lixeiro. A perspectiva de ver seu filho traçando uma história melhor do que a sua pode ser a grande motivação para este trabalhador. Da mesma forma, a dondoca que prepara jantares para os colegas do marido executivo também pode tirar daí uma grande realização, pois está, de certa forma, participando de negócios cujos lucros vão beneficiar sua família. Nem todo trabalho é formal e tem carteira assinada, e suspeito que era a esta forma generalizada de trabalho que Freud se referia.

E quando Ismael Silva usou a palavra “trabalho”, a que será que ele se referia? Bom, se ele teve as mesmas origens da maioria dos sambistas – um morro carioca, em que sabemos, a renda é pouca –, ele provavelmente estava se referindo aos trabalhos braçais e mal remunerados que as pessoas deste contexto faziam. Que realização tem uma pessoa que trabalha duro o dia inteiro para ganhar apenas o suficiente para sobreviver, ou seja, que não tem perspectivas de um dia mudar de vida? Uma coisa é ser motoboy para pagar a faculdade sabendo que, daqui quatro ou seis anos, estará trabalhando em outra área com um salário melhor. Outra coisa é ser motoboy com a certeza de que será motoboy para o resto a vida – se a empresa não demiti-lo – e que provavelmente seu filho também será.

Desse modo, concordo com Ismael. E penso que, ultimamente, o trabalho deixou de ser uma fonte de realização para muitas pessoas. Vide o número de pessoas largando suas carreiras para serem servidoras públicas. Há quem diga que estas pessoas são as que fracassaram no mercado, ou que são acomodadas. Discordo. Eu acredito que muitas dessas pessoas apenas se deram conta de que mesmo as profissões universitárias, com o tempo, se tornam mecânicas. Como tudo tem girado em torno do dinheiro, os médicos, que antes queriam salvar vidas, agora querem atender o maior número possível de pacientes por hora, os advogados, que queriam fazer justiça, querem pegar as causas mais lucrativas, e os professores, que queriam ensinar, querem o maior número de horas-aula. Evidentemente, quando se trabalha assim, a qualidade do serviço prestado cai, e a satisfação de trabalhar se esvai, porque percebemos que não estamos fazendo o melhor que sabemos fazer e não atingimos nossos objetivos satisfatoriamente. Outra crítica que ouço ao trabalho público é a falta de desafios. De fato, não deve ser mesmo desafiador. Mas o trabalho não deve ser a única fonte de desafios. Tem tanta coisa aí nos desafiando. Quer desafio maior do que construir uma família hoje em dia?

Frente a isso, acho que o negócio é trabalhar em algo tolerável (porque fazer algo que se detesta é horrível!) e bem remunerado para se tirar realização de verdade de outras atividades, como um hobby, um curso ou até um trabalho voluntário, um desses a que se vai por gosto.

Em tempo: a palavra "trabalho" tem a mesma raiz etimológica de "tortura".

4 comments:

Deep Red said...

Bueno, considerando o nível de concorrência e os salários, acredito que as pessoas que optaram por uma carreira no serviço público são tudo, menos acomodados (passar 2 anos estudando assuntos chatos não me parece acomodação); e que fracasso é esse onde a pessoa opta por um emprego melhor remunerado e estável?! Conheço pessoas altamente capacitadas que simplesmente resolveram ganhar dinheiro e trabalhar num serviço que odeiam (sim, eles odeiam o que fazem). Talvez a questão seja escolher entre ter uma situação econômica confortável sendo infeliz no trabalho ou fazer algo que se gosta mas não ter tanto dinheiro e estabilidade. Essa escolha cada um deve fazer segundo suas convicções.

Construir uma família é fácil, o problema é mantê-la estável e emocionalmente sadia. Por não prezar por estas duas últimas condições é que vemos tantas famílias desfeitas e/ou infelizes.

Anonymous said...

Olá sora! tudo bom?
Passei por aqui e li vários textos..mas esse me chamou a atenção.
Com certeza, hoje, muita gente deixou de fazer o que gosta pra ganhar mais, e com isso, leva uma vida infeliz (pelo menos com relação ao trabalho.
Estava conversando na aula esses dias com as gurias e comentamos justamente isso. Algumas falaram em mudar a escolha da profissão, deixar de fazer o que sonham pra ganhar melhor.
Tudo bem.
Mas vale a pena viver de uma coisa que não sentimos prazer?
Meu sonho é fazer medicina...e lendo o texto, vi que me sinto como os "antigos médicos" que tu citou. Sinceramente, não me importaria nem um pouco de passar horas e horas em um platão médico e não ganhar tanto dinheiro no final do mês.
Posso pensar de um jeito muito ingênuo, mas pra mim não importa quanto se ganha...a recompensa vem ao longo do trabalho. Quando se gosta do que se faz, viramos profissionais melhores.
Assim seríamos felizes com nosso trabalho e não o faríamos por gosto.
Beijos sora!

Ana Maria Montardo said...

Mas que prazer, Natália, receber seu comentário! Seja sempre bem-vinda! Pois então, volto a afirmar: ter de se levantar todo dia para ir trabalhar em algo que se detesta é horrível, você passa a semana sofrendo e torcendo para que o fim de semana chegue e passa o fim de semana sofrendo porque em seguida começará a semana de novo! Por outro lado, trabalhar no que se gosta por um baixo salário também não é legal. Mas essa é a minha opinião, cada pessoa é uma pessoa, cada um tem um jeito de se realizar. Aliás, não sei se isso é abordado na orientação vocacional - quando eu fiz, nunca se falou disso -, mas acho que tem gente que não se realiza fazendo trabalho algum, mas construindo uma família ou sabe-se lá como. Conheço uma mulher que diz que só vai trabalhar o dia em que o salário do marido dela não for suficiente, porque ela a-do-ra cuidar da casa e da filha. E é assim, as pessoas tem maneiras diferentes de ser feliz, e muitas dessas pessoas demoram para descobrir o que lhes faz feliz. Que bom que tu já descobriste o teu caminho. Tenho certeza de que será uma excelente médica!!!

Beijos, querida!

Anonymous said...

Ah eu tambpem espero ser médica um dia! Falta só passar na UFRGS! Muito fácil..hehehe
beijao e voltarei sim! adorei o blog!!