Thursday, April 26, 2007

Conversa de botequim


Dias atrás, numa edição já passada do jornal Zero Hora que me caiu nas mãos, li a coluna da Martha Medeiros. Dizia ela que queria participar do Big Brother, e em seguida enumerava suas razões, entre as quais ficar isolada dos problemas do mundo, sem telefone, televisão, internet, notícias indigestas, etc, e conviver com um bando de descerebrados. Para ela, todos os participantes são descerebrados. E têm a favor de si a grande vantagem de não saber quem é João Hélio, de quem só terão conhecimento daqui um ano, quando lerem uma notinha acerca do aniversário funesto no jornal, se é que lêem jornal, “me permitam o otimismo”. Foi o que ela escreveu: “me permitam o otimismo”.

A insinuação de que ela considera pouco inteligentes os participantes deste programa me parece clara. E, posso estar errada, mas quando ela os chama de descerebrados, me parece que, a seu ver, ela, sim, é cerebrada. Ou seja, ela é inteligente, eles são burros. Simples assim.

A pergunta que não quer calar é: qual será o conceito de inteligência da “inteligente” Martha Medeiros? A impressão que dá é que, para ela, ser inteligente é ter aquele tradicional hábito de pensar como homem, rico, branco, judaico-cristão e ocidental. Qualquer pensamento inclinado ao modo oriental, não-cristão, não-branco, pobre e feminino não é um pensamento diferente, é um pensamento burro. Logo, os big brothers só seriam considerados inteligentes se discutissem aquilo que o establishment julga ser inteligente. Mas eles não discutem. E nem devem conhecer Martha Medeiros. Se me permitem o otimismo.

Martha Medeiros é típica intelectual de classe média brasileira, que pensa como todo o mundo da sua classe e cor pensa. Mas o mundo não é só a classe média, dona Martha! Nem só o Moinhos de Vento. Existe muito mais para além das fronteiras dos bairros elegantes da provinciana Porto Alegre. Existe um público que lê Diário Gaúcho, que aliás pertence ao mesmo grupo do jornal para o qual a senhora escreve os seus textos cerebrados. E não há um motivo sequer que permita que eu, a senhora ou qualquer outro “cerebrado” que lê Shakespeare e assiste a Fellini nos consideremos superiores a tal público. E sabe por quê? Porque toda o nosso conhecimento de Shakespeare e Fellini não conseguiu impedir a morte de João Hélio, para citar o mesmo episódio a que a senhora recorre na sua coluna.

Nossa erudição não serviu para nada. E não tem de servir mesmo. Ela não é uma ferramenta para ter um uso. Ela é apenas a expressão de um ponto de vista, assim como a preferência de alguns pelo Diário Gaúcho é a expressão de outro. Os programas favoritos desse público não acrescentam nada à nossa cultura, é o que dizem seus detratores. Mas os nossos, também não! Assistir a uma entrevista com Chico Buarque é um deleite, porque ele diz coisas inteligentes. Mas isso não muda nada. No dia seguinte, vão continuar incendiando ônibus.

Quer saber um exemplo de alguém que realmente acrescentou alguma coisa à nossa cultura? Rosa Parks. Um dia, um homem branco entrou num coletivo e, como era praxe entre os brancos na época, pediu à negra Rosa que se levantasse para dar lugar a ele. Rosa olhou para ele e voltou a cabeça para a janela. Não levantou. Criou celeuma. Talvez não no mesmo dia, talvez não naquela semana, mas graças a Rosa, os negros americanos não precisaram mais passar pela humilhação de ter de se levantar para dar lugar a um branco. Rosa era mulher, pobre e negra. Não preenchia mais da metade daqueles cinco requisitos básicos para ser considerada inteligente no mundo ocidental. Mas ela, sim, mudou alguma coisa, e sem dizer uma palavra, muito menos de um vocabulário erudito! Isto provoca mudanças: gestos! O resto é conversa de botequim!

1 comment:

Deep Red said...

Oi
Descobri este teu espaço hoje e pus os olhos neste texto e resolvi escrever.

Eu passava pelo centro (sempre ele e suas misturas de pessoas, interesses, cheiros, sons. ARTE!!!) quando vi uma manifestação de uma dúzia de pessoas passando a frente de algumas lojas, recebendo, em sua maior parte, repulsa dos comerciantes. O protesto ocorria por causa de um camelô vendedor de dvd pirata tinha sido espancado pelos fiscais, quando estava munido de uma perigosa fichinha de ônibus.

Exercitemos então a imaginação. Primeiramente, sou um comerciante de classe média que trabalhou a vida inteira para montar(do)(não podia perder o trocadilho) o meu negócio e observo há anos o comércio pirata comer parte dos meus lucros. Enquanto vejo aqueles imundos vendedores piratas passando fico remoendo as lembranças das horas trabalhadas e todos os impostos que estou pagando. “Estão reclamando de quê?” queria ver se tivessem que pagar os estudos dos filhos as contas da casa e as prestações do carro novo; não bastasse isso ainda vêm me atrapalhar o movimento da loja.

Em segundo lugar, sou um vendedor ambulante, passei a vida inteira tentando sobreviver, só isso. Saio de casa cedo pela manhã, não sei se à noite meus filhos terão o que comer. Enquanto tento vender minha mercadoria, ouço um apito, eles estão vindo, guardo as coisas e corro. Vejo ao meu lado o colega de tanto tempo caído após ser agredido. “Pô! Não precisava fazer isso!” toda a tensão do dia-a-dia se concentra num momento, escrevo uns cartazes do jeito que dá e saio a protestar pelas ruas do centro.

A questão é: se invertêssemos as pessoas de situação o que mudaria?

Para poder responder a isso, somente com o que o título sugere (conversa de botequim). Foi citada no texto a postura intelectualóide dos componentes da classe média que tiveram acesso a um mundo culturalmente privilegiado (segundo o que os próprios proclamam) e que passam a achar que chegaram ao topo do conhecimento humano ou algo do gênero. A crítica seria trocada pela pergunta: será que presunção é característica típica do homem ou um fenômeno social?

Creio que daria pra tomar todas as cervejas do buteco antes de chegar ao fim do texto, passando por todos ao aspectos importantes, desde os critérios e forma de valoração de comportamentos e princípios até a capacidade de automodificação do indivíduo (uhaauh ta parecendo TMCE).