Monday, February 23, 2009

Brilhante legítimo - mas não único

Elis: depois dela não apareceu mais ninguém?

Vou mexer em vespeiro, mas vamos lá.

Um de meus passatempos favoritos é ver vídeos no YouTube. Eu simplesmente amo música, amo ver os artistas que admiro cantando/tocando e amo ver as versões que os anônimos deste mundo dão às canções. Em vários desses vídeos, deixo comentários. E em vários deles, leio os comentários alheios e, não raro, me deparo com o velho clichê: “nunca vai haver uma cantora como Elis”.

Concordo. Em parte.

Em primeiro lugar, porque obviamente não podemos prever o futuro. Podemos dizer no máximo que, desde que Elis morreu, nunca houve, até os dias de hoje, uma cantora como Elis. E ainda assim, só no Brasil. Quem ousará discutir que Amy Winehouse não está no patamar de Elis? Timbre magnífico, talento indiscutível, interpretações carregadas de emoção e repertório nota 10. Alguém vai contrariar?

Amy Winehouse: só quem ama o passado é que não vê

Em segundo lugar, o que eu acho é que até hoje nunca houve uma cantora que pudesse cantar As curvas da estrada de Santos como Elis. Ou Atrás da porta. Ou Como nossos pais. Ou Me deixas louca. Estas são músicas desesperadamente cheias de sentimento que, sim, exigem uma intérprete que lhes imprima emoção, e isso, de fato, no Brasil, nunca ninguém fez como Elis. Talvez Maria Bethânia o faça, mas, ainda assim, tento imaginar Grito de alerta e Olhos nos olhos na voz de Elis, e acredito que ela faria miséria dessas canções – da mesma forma que teria feito miséria de algumas composições de Cazuza, se tivesse vivido a tempo de conhecê-lo.

Muitas vezes, há músicas que surgem numa versão qualquer e, depois, carregadas pela emoção de uma outra intérprete, ficam muito melhores. É o caso de Will you still love me tomorrow?, que surgiu com as Shirelles na década de 60, ganhou diversas versões nas décadas subsequentes (Carole King fez uma, procurem no YouTube), mas, pelo menos para mim, tornou-se definitiva com Amy Winehouse. Amy parece cantá-la com o coração sangrando, e aí está seu mérito.

Will you still love me tomorrow? com The Shirelles


Will you still love me tomorrow? com Amy Winehouse


Em suma, o que faz de Elis e de Amy cantoras únicas é a intensidade de suas interpretações.

Mas, aí vem a minha tese: NEM TODA CANÇÃO É INTENSA. Nem toda canção canta dores lancinantes e paixões rasgadas e desesperadoras. Há as que cantam a indiferença, o tédio, a covardia, e essas pedem vozes amenas. Vamos falar de Pessoa, música a que me refiro no meu último post. O sujeito da canção rejeitou alguém especial pelo medo de amar. Covardia. Cansaço. Descrença. Conseguem imaginar versão melhor do que a de Marina? Conseguem imaginar Elis fazendo uma versão muito melhor do que a dela?

E ainda há as canções que cantam nada. Ou quase nada. O barquinho, de Roberto Menescal e Roberto Bôscoli, por exemplo. É uma canção sobre a calma de um entardecer de verão. Ouçam a versão de Elis e comparem com a de Maysa. A de Maysa é muito melhor, e ainda assim, a voz de Maysa também é muito dramática para esta letra. Prefiro a versão de Nara Leão, suave... como um entardecer de verão.

O barquinho com Elis Regina


O barquinho com Maysa


O barquinho com Nara Leão

No comments: