Wednesday, February 25, 2009

Tudo muda o tempo todo no mundo

Este mundo tem mudado muito, fala a verdade!

Eu estava aqui pensando que eu tenho blogado muito ultimamente – que é uma coisa de que eu gosto porque posso fazer quando, como e no tamanho que eu quero –, e aí eu pensei que já existe o verbo “blogar”, olha que coisa. “Blogar” vem de “blog”, que vem de “weblog”, que é uma palavra inglesa que surgiu da aglutinação de “web” – teia, mas que nesse caso se refere à rede mundial de computadores – e “log”, que significa “diário de bordo ou de vôo” ou então “registrar”. De tudo isso surgiu “blogar”. É um verbo informal, quer dizer, não foi dicionarizado. E talvez nunca venha a ser, porque em português é assim, só existe o que sempre existiu, e o que existe a partir de agora nunca existirá.

Isto é uma coisa que eu admiro na língua inglesa: eles criam palavras a torto e a direito. Surgiu a necessidade, eles criam. Hoje em dia existe o verbo “email”, sabiam? Eles dizem “Email me”, que significa “me manda um email”. Eles poderiam dizer “Send me an email”, mas dizer “email me” é mais fácil e igualmente compreensível, portanto eles optam por “email me”. “To google” também já existe. Em inglês você não precisa dizer que pesquisou no Google, você diz “I googled”. Assim como “YouTube”, que acho que como forma verbal dá para escrever com “t” minúsculo, né? “I youtubed that band you told me to”, por exemplo. É que eles tem uma vantagem de não precisar acrescentar terminações verbais, né? Write, read, play, cry, stop, begin e fish são todos verbos, e nenhum termina do mesmo jeito. Em português, no infinitivo, tudo precisa terminar com –ar, –er ou –ir. É muito limitante. E lembrem do velho Wittgenstein: “os limites da minha língua são os limites do meu pensamento”. Será que isso quer dizer alguma coisa sobre os países luso-falantes?

Vocês sabem como as reedições do dicionário Oxford são feitas? A equipe responsável sai pelas ruas das principais cidades da Inglaterra e dos Estados Unidos com um gravador e vai gravando tudo pelas ruas. Os taxistas, as pessoas conversando nas estações de trem, etc. Depois eles escutam tudo, tomam nota das palavras e termos novos e analisam o sentido deles dentro do contexto em que foram usados. E então incorporam o novo verbete na nova edição. Lá é assim, primeiro o povo fala, depois se dicionariza. No Brasil é diferente. Existe o dicionário cheio de palavras que ninguém usa – isso não lhes lembra um verso de Raul Seixas? – e as palavras que todo o mundo usa, mas que nenhum dicionário registra. Um não precisa do outro e vice-versa. Se o povo consultasse o dicionário, se espantaria. Se o dicionário consultasse o povo, então, nem se fala! A regra e a prática são completamente independentes. Aliás, lá em Salvador um taxista disse que no trânsito soteropolitano se dá mal quem segue os sinais de trânsito. E o demonstrou: “Quer ver que eu vou ligar a seta, e ninguém vai me dar lugar?”, desafiou. Dito e feito. “É por isso que o melhor é não dar sinal e se jogar na frente do carro”, explicou. E foi o que fez. Que selvageria!

Mas eu estava aqui falando do verbo blogar. Vocês já pensaram como tem um monte de palavras que antes não tinha, e se tinha, não com o uso que tem hoje? Pardal. Provedor. Torpedo. Celular. Portabilidade. Sala de bate-papo. Pendrive. MP3. Webcam. Avatar. DVD. LCD. Para cada coisa que se inventa, tem que dar um nome. O único lugar em que os nomes vieram antes das coisas é a Bíblia. Lá Deus diz “Faça-se a luz” e só então a luz passa a existir. A palavra “luz” existe antes de a coisa “luz” existir. Mas Deus tinha a vantagem de só precisar saber de antemão os nomes do que Ele ia inventar em sete dias. Opa, em seis, no sétimo Ele descansou. A gente não tem essa moleza. De lá para cá, já foi inventada tanta coisa, que a gente não ocupa memória no nosso HD com os nomes das coisas que estão por serem criadas. A realidade exige mais praticidade: a gente só decora os nomes das coisas que já existem, e ainda assim, só das que fazem parte do nosso dia-a-dia. Ou vocês acham que quem mora no sertão nordestino sabe o que é portabilidade? Não, a gente guarda tantos nomes quantas coisas existem no nosso mundo. Portanto, a restrição do seu vocabulário é a restrição do seu mundo.

Uma vez que muita coisa é inventada, muitas outras caem em desuso. E as palavras que lhe dão nome, conseqüentemente, também. Anágua. Datilografia. Disquete. Vitrola. Videocassete. Toca-fitas. Filme de fotografia (da época em que a gente tirava as fotos e ainda tinha que pagar para mandar revelar). Revista de letras traduzidas. Eram revistas que vinham com as traduções de músicas estrangeiras. Eu cheguei a pegar esse tempo, comprei na adolescência revistas com letras do Doors e do Led Zeppelin. Outras coisas continuam a existir, mas como já se nos tornaram íntimas, não precisam ser referidas com nome e sobrenome. Quem hoje em dia diz que comprou uma televisão com controle remoto? Ninguém. Mas na década de 80, falava-se – e com orgulho. Hoje soaria tão absurdo quanto dizer “TV a cores”.

Uma coisa que eu acho curiosa são os comerciais de TV. Analisar comerciais de TV através das décadas é um estudo antropológico e tanto! Eu não vejo muita televisão – não é por não gostar, acho a maior cafonice as pessoas quererem se engrandecer ao dizer que não gostam de TV! –, mas quando eu assisto, não costumo ver comerciais de brinquedos. No meu tempo de criança tinha comercial da Barbie, da Lu Patinadora, da Bolinha de Sabão, do Anfibius, dos Comandos em Ação, do Genius, e mais um monte de brinquedos da Estrela e da Glasslite. Tinha comercial de cigarro – os do Free eram ótimos, teve uma campanha cuja trilha era uma música estilo Joe Satriani em que apareciam jovens descolados pintando uns quadros de arte abstrata muito bonitos e dizendo coisas do tipo “Quando nada é certo, tudo é possível”, e acabava com o slogan do Free, que era “Questão de bom senso”. Tinha comerciais de marcas de lingerie, como a DeMillus e a Valisère. Não lembro de ter visto comerciais disso ultimamente.

Por outro lado, não havia comerciais de certas coisas, algumas porque não existiam, outras porque não era necessário. Provedor da Internet, por exemplo, não existia, assim como operadoras de telefonia celular. Outras coisas existiam, mas não faziam anúncios na TV. Escolas particulares não tinham com quem concorrer, por isso podiam se dar ao luxo de esperar os pais procurarem a escola para fazerem as matrículas. Clínicas de cirurgia plástica não faziam procedimentos em milhões de vezes no cartão, por isso a clientela se restringia a um seleto grupo que não justificava pagar milhões pelo minuto na TV. E tem outras coisas que, sinceramente, não sei porque anunciam. Outro dia eu vi um comercial de um cemitério daqui de Porto Alegre. O que será que passou pela cabeça do dono do cemitério quando teve a idéia de anunciar? “Nunca se sabe quais são os sonhos de consumo das pessoas”, será?

E as despesas? Quando eu era criança, meu pai não precisava pagar conta de celular, conta da Internet banda larga, conta da TV a cabo, conta do sistema de segurança da casa... E no preço da cerveja que ele bebia no bar também não vinha embutido a despesa que o bar tinha com o seu sistema de segurança.

É, minha gente, e pensar que houve tempo em que o Michael Jackson era preto, a Madonna era puta, o Arnold Schwarzeneger era ator, o Paulo Coelho era letrista do Raul Seixas, o João Gordo era punk, o FHC era de esquerda, o Lula era sindicalista, o PT era honesto, o rock era rebelde, o futebol era arte, homossexual era bicha, afro-descendente era negro, consequência se escrevia com trema, e todas as mulheres sonhavam com o George Michael.

Não estou querendo dizer com tudo isso que de lá para cá as coisas pioraram. Na adolescência, se eu gostava muito de uma música tocando num carro qualquer no trânsito, tinha que conviver com a angústia não só de não saber que música e que banda eram aquelas, mas também com a de nunca mais escutá-la, até que um dia, anos depois, por acaso, eu escutasse a música de novo na casa do primo do vizinho do ex-namorado de uma colega de faculdade e perguntasse “Que música é essa? Quem canta? Me empresta este CD?” Hoje eu digito parte do que eu entendi da letra no Google, descubro o nome da música, encontro-a no YouTube e naquele dia mesmo já estou cantando-a no chuveiro.

Houve tempo em que a gente carregava papelada pra cima e pra baixo. Depois nós começamos a levar as coisas armazenadas num disquete ou num CD e a já achávamos o máximo. Hoje a gente leva tudo na pendrive, quando não envia para si mesmo por email.

Houve tempo em que a gente se perguntava “Que fim terá levado o Fulano?” E continuávamos sem ter notícia do Fulano. Hoje tem Orkut. Dá para saber no que ele está trabalhando e se está casado ou separado, e pelos scraps e comunidades, dá até para saber quem deu o pé na bunda de quem. Se ele for discreto – ou anacrônico – e não estiver no Orkut, a gente procura no Google. Ninguém escapa ao Google. É só digitar lá “Fulano de Tal” e pronto. Podemos não descobrir seu estado civil, mas dá para saber até os concursos públicos que fez – e se foi aprovado – e as multas que levou do Detran. Se ele não estiver no Google, já sabe: é porque morreu.

Você já experimentou assistir a um filme no videocassete depois de anos só assistindo em DVD? Eu já. Foi uma tortura. Nem consegui ver até o fim. Você já navegou em Internet discada depois de ter tido Internet banda larga? Pois é. E teve um tempo em que você achava que Internet discada era tudo!

A vida é assim. A gente vive coisas que, na hora, a gente pode achar o máximo, e tempos depois, a gente se pergunta como é que conseguia viver daquele jeito. Naquela cidade. Naquele emprego. Com aquele salário. Com aquela pessoa. E a gente conseguia viver porque a gente não sabia – a ignorância é um excelente regulador de apetites! – como era a imagem do DVD, a rapidez da Internet banda larga e a vida em outra cidade, em outro emprego, com outro salário, com outra pessoa. Ou, vá lá, na mesma cidade, com o mesmo emprego e com o mesmo salário, só que sem aquela pessoa, não precisa nem estar com outra, só de estar sozinho já é uma evolução e tanto.

E a gente vai mudando, e, assim como as coisas e as palavras que dão nome às coisas, algumas de nossas versões ficam ultrapassadas conforme vamos descobrindo outras formas de ser - e muitas vezes só percebemos a mudança muito tempo depois, do mesmo modo como percebemos que deixamos de dizer "televisão com controle remoto". Se a gente parar pra pensar, todo o mundo é meio inglês: a gente vai se inventando de acordo com a necessidade e descartando as pessoas que não nos servem mais ser, e isso pode ser bom e pode ser ruim, depende da maneira como se usa esta habilidade – se é porque é bom para nós ou se é porque é bom para os outros. Poderão alguns pensar que às vezes o que é bom para nós é ser bom para os outros, mas eu desconfio que depender dos outros – ainda mais para ser – nunca é bom.

E a gente é tanta gente ao longo da vida, que é preciso um dia inteiro para conseguir lembrar de tanta gente que a gente já foi, da mesma forma como para conseguir lembrar de tanta coisa e palavra que já existiu no mundo e não existe mais.

Eu mesma às vezes leio coisas que escrevi aqui e, diante dessa outra pessoa que eu era e que escreveu aquilo, chego até a sentir aquele constrangimento que se sente ao reencontrar uma pessoa de quem já se foi íntimo, mas já não se é mais.

Mas não deleto o que escrevi. Estranhar-se não é se arrepender. Não necessariamente. Pode ser só a surpresa de ser lembrado de como se era, como quando se encontra por acaso um cartão de visita ou uma nota de dois reais no bolso de uma calça que não se usa com frequência.

Reencontrar todo o mundo que a gente foi é uma ótima maneira de analisar o que fizemos de nossas vidas e também de projetar o futuro.

O que você está fazendo pelas pessoas que você ainda vai ser? Elas lhe serão gratas?

E se você se deparasse com você criança, seja honesto consigo mesmo...

...quem daria colo a quem?

1 comment:

A menininha said...

OI Ana, sobre a tua pergunta do contador no meu blog, me passa algum e-mail seu que te mando o código, ou se preferir, me manda algum e-mail que te retorno com o código, o e-mail é aquele que está no meu blog.

beijo.


( não precisa aceitar este comment)